domingo, 10 de maio de 2015

Nosso Veredito: "Interstellar"


Por Obi-Wan


          Eu sei, eu sei, o filme já estreou nos cinemas brasileiros há seis meses atrás. Porém, com o lançamento do filme em Blu-ray, inúmeras pessoas que ainda não tinham tido a oportunidade de assistir "Interstellar" nos cinemas o fizeram, e muitas pessoas que, assim como eu, já haviam assistido o filme em seu lançamento, resolveram reassisti-lo em busca de uma resposta para a pergunta que muitos de nós vem se fazendo: afinal, o novo filme de Cristopher Nolan é um dos mais incríveis filmes deste século ou apenas um bom filme que foi superestimado? Já escrevi algumas considerações sobre o filme logo após tê-lo assitido, em uma postagem sobre a carreira de seu diretor, mas agora me dedico a uma análise mais profunda do filme, tentando encontrar uma resposta para a pergunta que a pouco me propus.

          Antes de falar sobre o filme em si, acho pertinente discutir um pouco mais sobre o perigo do hype excessivo. A expressão de língua inglesa, muito comumente utilizada quando nos referimos ao cinema, significa basicamente expectativa. E por uma série de motivos, "Interstellar" era provavelmente o filme mais aguardado de 2014. Esses motivos vão desde um roteiro em produção há muitos anos e fruto de um trabalho entre a grande dupla de roteiristas, Jonathan e Cristopher Nolan, com uma fortíssima base na Física, a presença de um doutor em Física no processo de escrita, a direção do próprio Nolan, considerado por muitos o melhor de sua geração, um elenco de ponta, entrevistas dadas por Nolan citando "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968) como sua maior fonte de inspiração, etc... Não faltaram motivos para transformar "Interstellar" em um filme cercado por uma gigante expectativa, e isso é geralmente algo muito perigoso, pois faz com que a linha entre amarmos e odiarmos o filme se torne demasiado tênue. Qualquer coisa menos do que absolutamente sensacional vindo de "Interstellar" já poderia ser considerado como uma grande decepção, e foi isso, pelo menos comigo, o que aconteceu durante sua exibição nos cinemas.
        Algo que certamente não ajuda a conter o sentimento de desapontamento que cerca "Interstellar" é o seu primeiro ato, que toma aproximadamente a primeira hora do filme. E por um simples motivo: ele é fantástico. Durante esse tempo que leva a introdução aos personagens e situações, me sentia presenciando um filme extremamente poderoso, digno de ser chamado tranquilamente a introdução à um dos melhores filmes dos últimos anos. Digo isso pois considero que ele cumpre quase com perfeição a função básica de um primeiro ato, ou seja, nos introduzir os personagens e situações que serão desenvolvidos no segundo ato e concluídos no terceiro.



        O roteiro de "Interstellar" é extremamente bem sucedido em nos introduzir de maneira extremamente rápida e objetiva ao contexto que cerca seus personagens principais, e que é justamente o que impõe o problema a ser resolvido mais a frente. O cenário de destruição e pessimismo do futuro em que o filme se passa é apresentado da melhor forma possível, sem explicações desnecessárias através de narração no começo, mas sim com diálogos que soam naturais e ajudam a construir os próprios personagens do filme, coisa que a narrativa faz de maneira impecável. Interessante também o uso que o filme faz, nos minutos inicias, do depoimento de idosos que viveram no tempo em que se passa a trama, utilizando-se assim de um elemento de documentários para dar um sentimento de verossimilhança a situação apresentada, como se fosse uma que um dia ainda podemos atingir.
       Todo o elenco do filme realiza um ótimo trabalho, mas temos de destacar algumas atuações que são realmente excelentes. Primeiramente, Matthew McConaughey, que em poucos anos passou de um ator estigmatizado por aparecer sempre em comédias românticas de gosto duvidoso para um dos melhores atores da atualidade. Aqui McConaughey se utiliza de seu próprio sotaque e maneirismos texanos para construir Cooper, um complexo e intrigante personagem que, como o próprio filme define, nasceu 40 anos muito cedo ou muito tarde, e é obrigado a ver todo o seu brilhantismo de piloto e engenheiro desperdiçados no trabalho manual de um fazendeiro, pois sabe que é isso que precisa fazer por sua família. O interessante sobre Cooper é que ele não se torna um homem amargurado por todas as dificuldades que a vida lhe impõe, mas se adapta ao novo cenário, sem nunca deixar de olhar para os céus com esperança de um futuro melhor, que talvez possa ajudar a formar. Michael Caine é, como sempre, perfeito, e entrega com precisão algumas das melhores linhas de diálogo de todo o filme. A real surpresa fica por conta da jovem Mackenzie Foy, que já havia aparecido em algumas produções anteriores, mas tem em "Interstellar" mais tempo de câmera para mostrar enorme talento e um futuro promissor.
          Neste começo de filme todos os personagens são extremamente bem estabelecidos e proferem constantemente maravilhosos e memoráveis diálogos. Dentre inúmeros diálogos geniais, escolherei um por considerar que seja o mais competente em desenvolver o personagem de Cooper e ao mesmo tempo o mundo em que vive: "Nós costumávamos olhar para o céu e nos perguntar qual é nosso lugar nas estrelas, agora só olhamos para baixo e nos preocupamos sobre o nosso lugar na poeira". Essa frase representa de maneira perfeita a decadência do mundo e o saudosismo presente no ato de Cooper de nunca desistir de olhar para os céus, se perguntando sobre seu próprio lugar nas estrelas e no mundo.


         
        A cena que destaco acima é para mim o melhor momento de todo o filme. Além de conter a melhor piada, quando Cooper fala com o diretor sobre o único número que define o futuro de seu filho, em comparação com os dois necessários para medir seu traseiro. Porém, há aqui uma sacada genial dos roteiristas do filme envolvendo a História. Ao conversar com a professora de Murphy, ela lhe explica a nova visão da historiografia de seu período sobre a ida do homem a lua em 1969. Em um mundo extremamente preocupado com sua própria sobrevivência na Terra, qualquer tentativa de exploração espacial é mal vista como total desperdício de recursos, portanto, não há nada mais natural do que isso influenciar na maneira como aquela sociedade vê seu passado. Seja por uma manipulação ideológica de quem possui o poder de fazê-lo, seja por uma mudança no estado de espírito dos próprios historiadores, esse novo cenário de repúdio a exploração espacial faz com que tal sociedade assuma como verdadeira todas as teorias conspiratórias sobre o pouso na lua desenvolvidas ao longo dos anos. Fica muito mais fácil convencer a opinião popular a descartar a exploração espacial convencendo-os de que o homem nunca sequer chegou a lua, mas que foi tudo armado e filmado para levar a União Soviética à falência, na tentativa de superar os americanos na corrida espacial. Esta cena exemplifica de maneira perfeita o quanto o contexto presente muda a maneira como olhamos para o nosso próprio passado.
        Tudo isso é muito bem construído e culmina na obrigação da NASA a operar agora em total discrição, em local ultra secreto descoberto por Cooper graças à uma "anomalia" gravitacional (discutiremos isso mais a frente). Cooper conhece as instalações e é convencido e apresentado ao plano de Dr. Brand (Caine) e sua filha Amelia para salvar a humanidade. Toda essa construção é extremamente interessante e bem feita, a única coisa que ainda não consigo entender é o fato de que, apesar de ser considerado como o melhor piloto que já tiveram, a NASA nunca foi atrás de Cooper para pilotar a mais importante expedição da história humana. Eles realmente preferem mandar pilotos sem alguma experiência de voo à arriscar revelar sua existência para Cooper e sua família? Se ele consegue ir da base até sua casa sem que ninguém desconfie, tenho certeza que há mil maneiras de contatá-lo e levá-lo secretamente até a base.
        Os momentos que levam à partida de Cooper são bem construídos e a cena em que está sozinho em sua caminhote, se deparando com a importância de sua missão e se convencendo de que abandonar seus filhos é a única maneira de salvá-los, é certamente a mais emocionante de todo o filme, tanto pela ótima trilha sonora de Hans Zimmer (por ela indicado ao Oscar de 2014), quanto pela extrema competência de McConaughey. Acredito que o momento em que a expedição levando a última esperança da humanidade deixa a Terra seja o marco de transição entre o primeiro e o segundo ato, que, apesar de considerar menos genial que o primeiro, de maneira alguma representa uma queda, mantendo o alto nível.
       Uma das melhores ideias de "Interstellar" é se utilizar da relatividade do tempo de maneira a impactar enormemente na trama. Ouso dizer que se utiliza tão bem disso quanto o próprio "Planeta dos Macacos" (1968). Aliás, de maneira geral, há inúmeras teorias científicas que o roteiro se utiliza de maneira magistral, além da própria relatividade, podemos citar o buraco negro e a teoria dos buracos de minhoca. Além do excelente uso teórico desses aspectos, suas representações gráficas são verdadeiramente magníficas, tornando o filme extremamente memorável visualmente. Outro aspecto extremamente positivo graficamente é a maneira como o filme representa os 3 planetas encontrados pelos cientistas da expedição Lázaro, principalmente a incrível cena das ondas gigantes. 
           Falando na expedição Lázaro, chegamos agora ao ponto onde, para mim, tudo começa a se despedaçar. Minha primeira reclamação é em relação a uma das metáforas mais preguiçosas que eu já vi em um filme de ficção-científica. Ok, eu entendo que o filme quer dizer que o único inimigo do ser humano é o próprio ser humano, e não a natureza, o que constitui por si só uma metáfora. Mas daí a chamar o único antagonista do filme de "Dr. Homemm", é no mínimo forçado. Tirando isso, acho o personagem de Matt Damon no filme muito bem construído, e considero muito acertada a decisão de tê-lo "escondido" dos materiais promocionais, pois vê-lo no filme foi uma agradável surpresa. Aliás, toda a construção do desespero que seu personagem sente por saber, desde o instante que pisa em seu planeta, que irá morrer sem jamais ver outro rosto humano, é extremamente bem feita. Entretanto, por mais desesperado que estivesse, é no mínimo peculiar que o cientista que todos considerem durante o filme como "o melhor de nós" cometa um engano tão banal quanto aquele que culmina em sua morte. O que ele achou que conseguiria com aquilo?
         Tudo o que temos depois disso, no terceiro ato, é uma sucessão de eventos exagerados e que não fazem o menor sentido após apenas alguns minutos de reflexão. De novo, Ok, até compro a ideia de ser possível manipular o passado através da gravidade, inclusive achei interessantíssima a representação visual de tal teia de eventos espaço-temporais. Porém, porém, não me desce o quão brega é toda a ideia de que o amor é algo que não sabemos explicar e que transcende a barreira do tempo e do espaço, como se fosse algo poderosíssimo que guardamos dentro de nós. Nolan, pare de assistir Harry Potter e volte a fazer o que você sabe. Mas não é nem isso o que mais me incomoda, e sim aquele vício inexplicável do diretor de jogar a solução final do quebra-cabeça na nossa cara. O que me incomoda não é nem o fato de ter sido a própria espécie humana, num futuro longínquo, quem muda seu próprio passado para se salvar, mas pra que fazer Cooper gritar de maneira patética "Somos nós! Somos nós!"? Pra que? Por que o filme não pode deixar isso em aberto, me fazer pensar, discutir, elaborar teorias? Além disso, conter os cálculos necessários para construir a estação espacial em código Morse já algo extremamente improvável, mas ainda por cima transmiti-lo através da movimentação dos ponteiros de um relógio? E se o relógio tivesse se perdido? Se Murphy jamais voltasse para pegá-lo? Há milhares de pequenas coisas que poderiam ter colocado tudo a perder. E a justificativa do filme para que nada disso tenha acontecido é o amor entre pai e filha, que transcende espaço-tempo. Piegas, brega, um sentimentalismo forçado que não é característica dos filmes de Nolan.
         Pelo que entendi, tal estação espacial, Cooper, consegue manter-se em eterna rotação e ignorar limites temporais e espaciais. Mas parece extremamente ingênuo pensar que mesmo assim toda a população do planeta Terra fosse salva e alocada para uma estação espacial construída pelos Estados Unidos. Há toda uma logística e problemas políticos que o filme opta por ignorar. Acho que o mínimo que aconteceria com Cooper é algo parecido com o que vimos em "Elysium" (2013) ou "Snowpiercer" (2013) somente uma parte mais favorecida da população conseguiria o privilégio de embarcar, enquanto o restante seria deixado para morrer. O final do filme, dentro da estação, tem uma visão interessante sobre preservação de memória, principalmente na cena em que vemos Cooper desconfortável na réplica que lhe construíram de sua própria casa. A cena do reencontro entre pai e filha é interessante, porém acho estranho que mais ninguém, nem mesmo sua própria família, tenha dado muita atenção para o homem diretamente responsável pela expedição pioneira que salvou a todos. A ideia de que Cooper vai até o planeta onde está Brand é interessante, visto que ele é um homem completamente deslocado de seu próprio tempo, aliás, sempre foi. Mas, acho que o filme deveria ter focado mais na construção da estação espacial, em como ela funciona, ou como deveria funcionar, e como se dará a integração dessas pessoas com as que estarão na colônia que Brand está prestes a começar. O final de "Interstellar" me deixa um gosto extremamente amargo na boca, explicando demais o que deveria deixar em aberto e tendo preguiça de explicar o que seria realmente interessante de acompanharmos.
         Confesso que gostei mais de "Interstellar" nessa segunda vez que assisti. Nos cinemas, sai do filme amando o que tinha acabado de ver, mas após apenas alguns minutos fiquei com a sensação de que havia sido enganado pela monumentalidade do aspecto visual do filme e complexidade de seu universo. Agora, já sabendo do que vinha pela frente, pude analisar o filme de maneira mais racional, e meu veredito é que "Interstellar" começa parecendo o melhor filme de ficção-científica deste século, mantendo sua força no segundo ato, mas que acaba por se perder no meio do caminho. O roteiro elabora uma enorme complexidade de regras para seu próprio universo, tão bem construídas que acaba por não conseguir uma conclusão satisfatória. Em uma análise prévia sobre o filme no texto que escrevi sobre Christopher Nolan, afirmei que o filme acabaria por cair no esquecimento por conta da impossibilidade de espaço para interpretações. Confesso ter exagerado. "Interstellar" é um ótimo filme, que certamente será lembrado por sua trama complexa e visuais incríveis, mas tenho minhas dúvidas se será o tipo de filme que marca a história do cinema, que transcende gerações. Nolan fez questão de afirmar que se inspirou em "2001", então faço questão de novamente compará-los. "2001" é para mim o melhor filme de todos os tempos, principalmente pelo fato de que o roteiro de Kubrick sabe exatamente o que dizer e o que não dizer. Milhares de pessoas, mesmo com o decorrer de quase 50 anos de seu lançamento, o continuem assistindo e discutindo, realmente quebrando a cabeça para entendê-lo, e acredito que o maior responsável por isso é o que não é dito, a incrível arte de mostrar em tela somente o suficiente para lhe fazer dizer: "preciso assistir de novo, preciso discutir, preciso pensar". E essa é uma lição que Christopher Nolan ainda tem por aprender.


Veredito:





Ótimo

Um comentário:

  1. Pessoalmente achei um filme ótimo. As cenas com efeitos especiais são muito boas! Sinceramente os filmes desse gênero não são os meus preferidos, mas devo reconhecer que este filme superou minhas expectativas. Na minha opinião, este foi um dos melhores filmes de Christopher Nolan além de Dunkirk 2017 dublado que eu vi no ano passado. Mais que filme de ficção, é um filme de suspense, todo o tempo tem a sua atenção e você fica preso no sofá. Desfrutei muito deste filme pelo bom enredo e narrativa que tem. É uma historia que vale a pena ver.

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