quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Crítica: "American Honey" ("Docinho da América")

Docinho da América
(American Honey)
Data de Estreia no Brasil: 30/12/2016 (Netflix)
Direção: Andrea Arnold
Distribuição: A24


           Lançado há poucos dias no catálogo da Netflix brasileira, o drama independente "American Honey" teve seu título pessimamente traduzido para "Docinho da América". OK, esta seria realmente a tradução literal, mas o título original é baseado no nome de uma música americana e simplesmente não faz o menor sentido em português. Aparte disso, o longa dirigido por Andrea Arnold acompanha a história de vida de Star, uma órfã que teve de se mudar do Texas para Oklahoma e cuida de seus dois irmãos adotivos (aparentemente). Um dia Star encontra um grupo de jovens em um mercado e um deles a convida para cruzar o país com eles vendendo revistas. Sem outra perspectiva melhor onde mora, Star aceita o convite de Jake (Shia LaBeouf) e se junta ao grupo de vendedores.
             No parágrafo acima fui obrigado a dar-lhes uma sinopse um tanto quanto incerta, porque "American Honey" certamente não é o tipo de filme que se dá ao trabalho de explicar sua trama ao público. Confesso particularmente que me agrada muito quando um filme faz isso, me deixando à deriva no esforço de adivinhar os aspectos da trama, background dos personagens e suas relações entre si. Mas há muitas pessoas que se sentem perdidas e desestimuladas com este tipo de estrutura narrativa, portanto já fica meu aviso que este filme não foi feito pensando em agradar todos os públicos. Além disso, sua duração incomumente longa para um drama (2h43) pode afastar também grande parte dos possíveis interessados.
          Estes não são os únicos elementos em "American Honey" que o tornam um filme único, muito diferente dos padrões de cinema norte-americano que estamos acostumados a consumir. O filme utiliza uma estrutura de road movie para discutir temáticas semelhantes àquelas trazidas por "Capitão Fantástico". Porém, enquanto o excelente filme de Matt Ross estuda uma sociedade à parte que se constitui como ambiente familiar, "American Honey" foca em um grupo de jovens oriundos de todos os lugares dos Estados Unidos, que trocaram suas vidas anteriores pela dinâmica nômade do grupo de vendedores. 
            Esta é, aliás, a discussão mais interessante do filme. Há um visível e demarcado contraste entre o estilo de vida "livre" que estas pessoas levam e a estrutura absolutamente capitalista de seu trabalho. Por um lado, nenhuma delas tem uma família ou preocupações fixas e sua vida na estrada as leva a conhecer lugares diferentes e levar uma vida que se adapta às situações e ao ambiente em que se encontram no momento. Por outro, todos vivem sob uma enorme pressão por parte de Krystal, a líder da empreitada comercial, para cumprir suas metas de venda e utilizar-se da pena dos moradores para vender-lhes revistas. Há inclusive uma grande agressividade condicionada no grupo por Krystal para "punir" os dois piores vendedores da semana, na "noite dos perdedores". 
             Esta enorme tensão entre a liberdade e pressões de um mundo que se sustenta à base do comércio demarca todo o filme e aparece em seus momentos mais pivotais. Os personagens são também muito complexos e conseguem dar vida à estes conflitos. O roteiro da também diretora Andrea Arnold não se dedica a desenvolver muito cada um dos personagens secundários, optando por construir uma forte dinâmica de grupo, apostando que os personagens mais importantes da trama são intrigantes o suficiente para mantê-la coesa e funcionando. A atriz Sasha Lane é competente em criar uma Star complexa e imprevisível, deixando-nos perdidos na tentativa de adivinhar seus próximos passos e reais intenções, algo que nos prende de forma muito efetiva ao filme. Shia LaBouf, por sua vez, está ótimo no tipo de papel que nasceu para interpretar: um jovem excêntrico, que chama atenção por seu jeito diferente e capaz de encantar as pessoas.
          A dinâmica entre os dois personagens é completa pela excelente personagem de Krystal, que representa um verdadeiro elemento repressivo, controlando o grupo à distância e impondo-lhes sempre suas regras através do controle de sua forma de sustento. Aliás, talvez seja o maior erro do filme não ter conseguido desenvolver mais tal personagem e sua dinâmica com o grupo, um histórico mais explorado da personagem talvez contribuísse em muito com as principais temáticas discutidas por "American Honey". Outro grande problema do filme é sua duração excessiva. É praticamente impossível construir um drama com duração de épico sem que haja uma visível "gordurinha" que poderia ter sido removida na sala de edição e este filme não é uma exceção. 
          Apesar da longa duração, recomendo muito "American Honey", uma vez que o filme consegue a façanha de não ser cansativo ou permitir que a passagem de tempo seja demasiadamente sentida pelo público. A direção de Andrea Arnold é extremamente competente em criar uma estética muito original (o filme foi praticamente inteiro filmado com luz natural) e cenas memoráveis, que propiciam um enorme potencial para discussões posteriores. O final aberto é metafórico e faz jus a um filme que não se limita a agradar um público amplo, criando algo único no processo.







Ótimo

Por Obi-Wan

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