segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Crítica: "Manchester À Beira-Mar"

Manchester À Beira-Mar
(Manchester By The Sea)
Drama
Data de Estreia no Brasil: 19/01/2017
Direção: Kenneth Lonergan

Distribuição: Sony Pictures


“Manchester à Beira-Mar” é um filme que pareceu grudar em mim ao longo dos dias que se passaram após a sessão. Me senti intrigado, deprimido e completamente contemplado pela abordagem do filme, que joga sobre o espectador um carga pesadíssima ao tratar de temas como culpa, luto e a nossa memória – tão funcional e necessária, mas por vezes tão dolorosa. Este drama não é de forma alguma um filme fácil de assistir, mas também não parece tentar ser, visto que seu peso dramático parece espancar o nosso emocional. Desde o tom melancólico adotado de forma notória já no início da narrativa - e que apenas se estende ao longo do filme -, a estrutura de roteiro de Kenneth Lonergan (que também assina a direção) parece querer sufocar o espectador... E consegue!

Qualquer pequeno flagrante de um momento de felicidade registrado no passado é facilmente subvertido pelo filme como uma dolorosa lembrança. Algo que condiz facilmente com a inexpressividade com a qual encontramos o protagonista Lee Chandler (Casey Affleck), que surge como uma alma atormentada com um turbilhão de emoções internas que parecem emergir em instintos raivosos (com respostas ríspidas inesperadas a pessoas a sua volta), ou mesmo quando o sujeito arruma brigas de bar somente para dar vazão a sua raiva em desconhecidos – que também acaba funcionando como uma autopunição para o sujeito, já que ao receber em seu corpo socos e pontapés este parece procurar alguma forma de suprimir suas dores internas com hematomas externos.
Acompanhamos assim, o indivíduo (que vive sua rotina da forma mais corriqueira e fria possível) ter de voltar para a sua cidade natal, Manchester, ao ser informado de que seu irmão Joe (Kyle Chandler) morreu. Lee tem então de cuidar do funeral de seu irmão, das finanças e propriedades deste, bem como do futuro de seu sobrinho adolescente Patrick (Lucas Hedges) que agora está sobre sua guarda, o que az com que o filme brilhe ao captar com excelência o pragmatismo agonizante que se segue após a perda de um ente querido, quando uma enxurrada de preocupações e deveres tomam as nossas cabeças da noite pro dia. Assim, no momento em que Lee Chandler pisa em Manchester, a cidade parece atormentá-lo como um fantasma de concreto, onde cada esquina, rua, casa ou loja vira a solidificação do passado de Lee.
Para salientar tais emoções, a estrutura de roteiro é perfeita em passar uma atmosfera dolorosa que transforma o prosaico em impactante, ainda que careça ao longa algum sinal mínimo de ritmo, visto que o filme parece cansar e se acumular um pouco em seu segundo ato. Isto é um ponto importante de se discutir por se tratar não de uma mera falha, mas de uma decisão tomada por parte de Lonergan, que sacrifica o ritmo da narrativa por uma construção dramática que investigue a psique dos personagens a cada passagem, o que acaba corroborando para o sentimento de amargura que o espectador sente ao se ver preso naquele mundo frio e triste de nossos personagens. Em outras palavras: ainda que falha a decisão é completamente condizente com a proposta do filme.
         Tal frieza é salientada ainda pelos mais diversos aspectos técnicos do designe de projeção, desde os figurinos e a direção de arte que parecem apostar em objetos e roupas com uma supressão de qualquer sinal de alegria e “vida” naquelas pessoas, por adotarem tons sóbrios e escurecidos. Até mesmo a cinematografia limpa e lustrosa de John Lee Lipes, parece submergir o espectador naquele ambiente de rios gelados e neve incessante. Da mesma forma, a trilha sonora da compositora Lesley Barber é ainda hábil ao evocar um clima de velório ao longo da projeção por ser constituída de um coral em canto gregoriano que remete a missas de velórios.
         Porém, seria completamente leviano de minha parte falar de “Manchester à Beira-Mar” sem falar da dinâmica entre os protagonistas. Se Affleck consegue evocar uma intensidade assombrosa mesmo com o personagem sendo bem pouco comunicativo, Lucas Hedges é uma verdadeira revelação ao compor seu personagem de maneira completamente verossímil, trazendo não só um espírito de completa imaturidade do rapaz, mas ainda assim um lado que teve de se conformar ao longo dos anos com a inevitável (e próxima) morte prematura de seu pai. Assim, a forma com que ambos interagem é perfeita desde tal construção mais geral dos personagens, até mesmo nos pequenos detalhes que vão desde o relacionamento mais próximo entre Patrick e o tio no passado, até a aparente indiferença que Lee salienta verbalmente quanto a vida do garoto, ainda que ele faça de tudo para tentar conciliar seus tormentos com o que é melhor para seu sobrinho.
Quando ambos os personagens estão em cena o filme deslancha de forma impecável, desde os diálogos afiados e completamente criveis, até mesmo à forma com que o roteiro de Lonergan parece querer evitar uma dinâmica clichê de um personagem simplesmente se apoiando no outro para superar as adversidades. A construção é muito mais sutil até ao desfecho completamente coerente com o restante da melancólica película, com os protagonistas parecendo viver numa eterna busca por seus sonhos de redenção, mas ainda assim uma profunda descrença numa melhora imediata de perspectiva.
O filme é ainda executado de maneira minuciosa ao contar com uma direção magistral e objetiva por Kenneth Lonergan, com o diretor parecendo não querer nunca descambar para o melodrama o simplesmente estender cenas e revelações que ampliassem artificialmente o impacto dramático. Ao utilizar de quadros estáticos (ou que se movem apenas para seguir os movimentos dos personagens) e vários planos conjuntos, o cineasta amplia a imersão do espectador ao mundo sofrido daqueles indivíduos. Ainda, a condução de flashbacks é perfeita por parte do diretor (e montados de forma extremamente orgânica por Jennifer Lame), já que a ferramenta cumpre o papel de gerar empatia ou mesmo despedaçar nossas esperanças, algo que “Manchester à Beira-Mar” faz bem por não ser somente um filme sobre pessoas em luto, mas uma obra que investiga de maneira sensível a condição humana frente ao nosso inevitável fim.






Excelente
Por Han Solo

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