quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Crítica: "Amor & Amizade"

Amor & Amizade
(Love & Friendship)
Comédia/Drama
Data de Estreia no Brasil: 11/08/2016
Direção: Whit Stillman
Distribuidora: California Filmes



         Acompanhar as tramas da ardilosa Lady Susan Vernon (Kaete Backinsale) neste “Amor & amizade” não só é um passatempo divertido e extremamente dinâmico, como também representa uma ótima oportunidade de ver uma bela adaptação de uma personagem de Jane Austen para as telas do cinema. Assim, a história se desenrola no século XVIII com a tal protagonista tentando se desvencilhar das fofocas acerca de seus casos amorosos, enquanto procura encontrar um bom marido para a sua filha Frederica (Morfydd Clarke), ao passo em que a viúva Vernon parece estar a todo o momento tentando controlar todos a sua volta para que ela se mantenha relevante na sociedade de sua época.

         Em linhas gerais, “Amor & Amizade” se desenvolve com maestria como uma comédia de costumes. Dessa forma, constantemente somos levados a presenciar cenas nas quais o humor se cria pela ação (ou reação) de determinados personagens a certos elementos característicos de seu tempo – como questões religiosas, condutas sociais cotidianas ou mesmo um pseudo-intelectualismos de quatro séculos atrás. Para o funcionamento de tal abordagem o filme conta com um frescor por parte da direção de Whit Stillman, que parece comandar seu filme com uma rigidez em sua linguagem visual que por outro lado traz dinamismo para sua narrativa. Ainda, a montagem acaba sendo muito bem conciliada com a direção de Stillman, já que sempre temos a impressão de que a transição de planos é implementada para se transpor a força cômica desejada pelos realizadores (como apostar num plano mais aberto para demonstrar o constrangimento de uma determinada situação, com esse enquadramento sendo substituído por um plano mais fechado no rosto de um personagem).
         Mas se Stillman parece compor seus quadros com maestria, soando não somente belos como completamente condizentes com o propósito de suas cenas, tenho certas ressalvas quanto ao trabalho do mesmo como roteirista. Se por um lado temos uma construção de diálogos que não só funcionam em seus propósitos individuais de cada cena, como também acabam ganhando um eco ao longo de toda projeção – como a sequencia que envolve a história do Rei Salomão -, por outro o roteiro trata de forma relapsa como as vontades e destinos de determinados personagens são atirados de qualquer forma para o espectador, o que enfraquece um impacto dramático, assim como o nosso engajamento de espectadores para com as situações. Mas ainda assim, é notável como o filme consegue escapar de ser expositivo ao mesmo tempo em que se sustenta em diálogos, com o longa fugindo a todo custo de soar repetitivo por escolher ou nos mostrar uma situação, ou deixar uma informação no ar no meio de seus diálogos.
         Outro fator extremamente benéfico para o tratamento de roteiro oferecido pelo longa são as performances dos atores. Contando com um composição perfeita de Kate Backinsale como a protagonista do filme, com a atriz sabendo expor um falso ar de ingenuidade e sendo passivo-agressiva ao mesmo tempo que o faz com muito carisma, sendo uma excelente anti-heroína, o restante do elenco ainda é pontual em suas construções de personagem (como a doçura com que Morfydd Clarke encarna Frederica ou mesmo a inocência jovial que Xavier Samuel imprime em Reginald), sendo mesmo Tom Bennett quem rouba todas as cenas em que está presente. Com o ar agitado e tagarela que seu Sir James Martin, Bennett é dono das principais cenas da projeção, já que o timing cômico do ator é perfeito para o engajamento do público na estória.
         Em seus aspectos mais técnicos, “Love & Friendship” é uma verdadeira maestria ao começar por sua fotografia que tende para um dourado e que engrandece o verde e o amarelo – muito relacionados a nobreza por seu caráter “monetário” – e que por contraste consegue chamar a atenção para a utilização do roxo e do vermelho nas cenas. O que torna isso tudo ainda mais especial é o fato de que a direção de arte e os figurinos souberam aproveitar bem tais cores, pois podemos encontrar o verde não só em carruagens e pinturas das paredes da residência de Charles Vernon (Justin Edwards, perfeito), como ainda se encontram na maioria das vestimentas dos que habitam aquela casa (assim como o amarelo).
         Mas no que diz respeito a tais qualidades, é interessante de se observar como os figurinos utilizados em Lady Susan salientam o caráter manipulativo da personagem. Reparem como num primeiro momento ela parece utilizar preto para o luto, mas acaba abandonando a cor rapidamente assim quando chega na propriedade dos Vernon, utilizando do verde para esboçar certos valores de nobreza, ou mesmo no fino traje vermelho que a protagonista utiliza quando precisa contornar uma determinada adversidade no segundo ato, o que corrobora para o fato de que esta mulher está seduzindo a opinião de outra pessoa – E se tal abordagem visual de figurino e designe de produção não for reconhecida pela academia, será um erro extremamente embaraçoso.
       Abordando o poder controlador de sua protagonista sem precisar ser gráfico em relação ao sexo ou mesmo utilizar de diálogos exacerbados que mastigassem a informação para o público, o novo longa de Stillman não só faz justiça a literatura de Austen como ainda é um ótimo exemplar de cinema.“Amor & Amizade” até pode ter estreado há alguns meses, mas aconselho que o leitor encontre uma maneira de visitar aquela que é, entre os lançamentos de 2016, uma das experiências mais leves e gostosas de se acompanhar.





Ótimo
Por Han Solo

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