terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Crítica: "Estrelas Além do Tempo"

Estrelas Além do Tempo
(Hidden Figures)

Drama/Biografia
Data de Estreia no Brasil: 02/02/2017

Direção: Theodore Melfi
Distribuidora: Fox Film do Brasil


“Estrelas Além do Tempo”... Um nome brega em sua tentativa de fazer uma alusão ao significado do título original, “Hidden Figures” (que em tradução livre se tornaria “figuras escondidas”). E isso não é a toa, já que este nome original mostra a importância da história que está sendo contada e como esta foi escondida ao longo do tempo. Temos aqui três mulheres negras que trabalharam para a NASA e que foram cruciais para o desenvolvimento da mesma na chamada “Corrida Espacial”. O filme, assim, se sustenta em sua importância temática, mas fica claro ao longo da narrativa que era necessário um contador de histórias melhor, já que o filme se estabelece como um “Feel Good Movie” sem nem sempre conseguir desenvolver seu tom em consonância com a estória que quer contar.

Parte dos problemas do longa já se encontram no roteiro, que possui uma primeira metade muito inferior a segunda, com o filme apostando em certos desenvolvimentos familiares completamente dispensáveis - como todo o seguimento amoroso envolvendo o personagem de Mahershala Ali, que só funciona minimamente pela performance carismática do ator. Ainda, ao desenvolver certos temas da estória o roteiro peca ao centralizar seus argumentos em figuras antagonistas pouco desenvolvidas, o que fica claro na participação de Kirsten Dunst no filme, já que o longa acaba afunilando todo um problema sistêmico num único indivíduo – e a abordagem funciona muito melhor com o engenheiro interpretado por Jim Parson, já que conseguimos situar um mínimo de um arco dramático, ainda que previsível.
Porém, ainda que conte com todos estes problemas no roteiro é impossível deixar de se envolver com os dramas de nossas personagens, já que o longa é hábil ao conseguir estabelecer a dinâmica das três protagonistas, sendo esta perfeitamente apresentada desde os primeiros momentos em que elas estão juntas em cena. Assim, vivemos intensamente cada momento da vida delas que é retratado (por mais difíceis, belos, ou mesmo por vezes artificiais que eles sejam), desde a força e perseverança de Dorothy Vaughan (bem realçado por Octavia Spencer), até mesmo o misto de insegurança e obstinação de Mary Jackson (Janelle Monae), as características individuais delas são tratados com importância pelo filme, que busca realçar a empatia a partir de situações individuais das personagens.
A atuação principal de Taraji P. Henson, como Katherine Johnson, é um exemplo perfeito de como o filme funciona plenamente em sua proposta de mostras o crescimento profissional das personagens, já que Henson é capaz de evocar uma sensibilidade para Katherine Johnson até mesmo quando esta parece se perder em um mundo de cálculos matemáticos. O que ainda auxilia uma perspectiva de crescimento dos indivíduos no filme é a decisão inteligente em elencar discussões sexistas e racistas em paralelo com a sua estória (e assim, vemos protestos pelos direitos civis dos negros, imagens de arquivo de Martin Luther King, ou mesmo vemos um determinado personagem soltar comentários machistas de maneira banal). Esta abordagem engrandece o filme, ainda que o debate de determinados elementos seja simplificado em prol de um ar de leveza à narrativa.
Isso, contudo, é quase que completamente sabotado pela direção irregular de Theodore Melfi, sendo triste constatar como há um momento no filme que é comandado com maestria pelo diretor: quando o chefe da NASA, Al Harrison (Kevin Costner, carismático e contido) faz um discurso quanto a importância do trabalho de toda a sua equipe para os próximos meses, Melfi utiliza da mise em scène de maneira perfeita para mostrar Katherine se sentindo deslocada no ambiente, seja por colocar ela no ponto mais forte do quadro (superior direito), de vestido verde, enquanto a sala é preenchida por homens que usam branco, ou mesmo pela maneira com que o cineasta usa dos movimentos de Harrison para tapar a presença da personagem em momentos chaves do discurso... Mas é apenas isso, não há outro bom momento do diretor em todos os seus 127 minutos.
Durante o restante da projeção Melfi aposta sempre na abordagem mais óbvia possível. Assim, “Estrelas além do Tempo” é o tipo de filme que sente a necessidade de mostrar um foguete sendo lançado ao espaço para sinalizar que agora as personagens se encontram na NASA, ou mesmo de colocar um personagem atendendo ao telefone com um “Alô. Sim, Sr. Presidente” enquanto uma foto de Kennedy é mostrada atrás do personagem – e isso até poderia funcionar como uma simples introdução do contexto no qual o filme se passa se não fosse o fato de que vemos a foto de Kennedy outras 10 mil vezes, bem como vídeos de arquivo do então presidente dos EUA, o que só mostra uma tentativa dos realizadores em martelar a informação para o espectador.
Ainda, Melfi demonstra não saber que filme desejava criar, já que a narrativa apresenta um caráter bipolar, apostando em tentativas cômicas (que jamais funcionam). Isso fica claro nos momentos em que Katherine Johnson deve se ausentar durante 40 minutos em seu trabalho para poder ir ao banheiro destinado a pessoas negras, e que fica do outro lado da propriedade, com o filme encarando com humor aquilo que é claramente um momento triste e difícil - e se Melfi não queria apostar numa melancolia para essa cena, também não era necessário tentar gerar o riso. O mesmo pode ser visto na sequencia que mostra Dorothy Vaughan sendo enxotada com seus filhos da biblioteca por estar na área destinada aos brancos, um momento claramente delicado e revoltante, mas que o filme resolve fechar com uma “piada”, tentando suavizar a situação.
Contando ainda com efeitos especiais bem abaixo da média, podemos talvez resumir muito das qualidades e defeitos deste filme em sua fotografia, que para mostrar a infância de uma personagem aposta num tom marrom desbotado, substituindo-o para uma imagem radiante e de cores vivas ao estabelecer sua história nos anos 60: o filme é funcional em sua proposta “feel good”, mas extremamente falho em qualquer pretensão dramática por sua abordagem óbvia demais. “Hidden Figures” merece muito destaque por sua temática, por retratar personagens principais com complexidade humana em seus sonhos e frustrações, mas a proposta do diretor acaba prendendo uma história importante e de apelo atemporal em um filme que não sobreviverá para “além do tempo”.





Bom
Por Han Solo

Um comentário:

  1. É claro que valores políticos, históricos e/ou sociais não são o bastante para “desculpar” filmes ruins – e quem leu meus textos sobre Histórias Cruzadas ou A Garota Dinamarquesa, por exemplo, sabe que não costumo ignorar problemas em um trabalho apenas por achar que sua mensagem é, no fundo, bem intencionada. Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Adorei 7 Minutos Depois da Meia Noite, dos melhores filmes baseados em livros , porque tem toda a essência do livro mais sem dúvida teve uma grande equipe de produção. É muito inspiradora, realmente a recomendo.

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