segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Crítica: "Silêncio"

Silêncio
(Silence)
Drama
Data de Estreia no Brasil: 09/03/2017
Direção: Martin Scorsese
Distribuição: Imagem Filmes


         Pode até parecer um absurdo, mas Martin Scorsese nem sempre quis ser diretor de cinema, já que na sua infância o agora veterano cineasta tinha outros sonhos: ser padre. Graças a deus (hehe) Scorsese tomou o caminho do cinema e hoje é dono de uma filmografia rica e invejável. Seus filmes são sempre muito lembrados por retratarem “outsiders” e mafiosos com voracidade e violência, mas há outros temas também muito recorrentes na sua carreira, como a fé e a culpa do pecado católico, sendo este “Silêncio” um dos grandes exemplares da filmografia de Scorsese que trata de tais temáticas – e estamos falando afinal de contas do diretor por trás dos clássicos “A Última Tentação de Cristo” e “Mean Streets”.

         Este é o projeto da vida de Scorsese, que ainda no final da década de 60 se apaixonou pelo romance de Shusako Endo que tem sua história ambientada no Japão do século XVII, quando a perseguição ao cristianismo pelas autoridades japonesas está no seu auge e dois padres jesuítas, Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver), vão para o país para tentar descobrir o paradeiro do padre Ferreira (Liam Neeson), com boatos surgindo sobre uma possível apostasia por parte deste clérigo. A partir de tal premissa o filme passa a investigar o caráter da fé, questões de idolatria e perspectivas antagônicas sobre um mesmo tema, sem soar nem raso e nem uma mera pregação.
         Boa parte da genialidade do filme se deve ao seu tom contemplativo, que faz com que o filme flua bem durante seus 160 minutos de duração (se arrastando um pouco apenas no final em suas elipses temporais), não buscando lançar um olhar simplista e julgador frente a situação, mas analisando de forma brutal a realidade de uma perseguição religiosa com claros fins ideológicos. Os realizadores do longa não parecem estar procurando debater seus temas de forma aberta em seu filme, mas sim criar imagens e passagens que realcem estes, apresentando argumentos e motivações para as atitudes de cada indivíduo -  e quando duvidamos ou não concordamos com tais atos isto apenas engrandece o debate do filme.
         Outro ponto importante é a dinâmica adotada entre Andrew Garfiel e Adam Driver, desde a clara amizade estabelecida entre os dois até as divergências entre eles. Se Garupe (Driver) é um padre mais conservador nos hábitos católicos, não vendo perdão nem mesmo para pessoas que pisam em imagens sacras para salvarem suas famílias, Rodrigues (Garfield) já demonstra uma maior complacência para com os “erros” e pecados dos fiéis japoneses – sendo o melhor exemplo disso o personagem de Yôsuke Kubozuka, Kichijiro, e sua constante busca pelo perdão. O tom soturno e melancólico que se instaura na narrativa depõe a favor dessa relação entre os personagens com que a possibilidade da morte deles seja tratada de forma complexa, desde a perspectiva do que é ser um mártir, ou mesmo a diferenciação de uma vida crente e temente à Deus a uma vida devota a espalhar sua palavra.
         É aí que entra a inteligência de Garfield em sua composição para o papel principal, com o ator sabendo desempenhar bem a fragilidade psicológica crescente que o personagem desenvolve frente à sua fé sendo abalada pela brutalidade que presencia. Até mesmo os momentos de conflito interno quanto à decisões que o padre deve tomar são demonstradas de maneira perfeita pelo ator, cabendo ao filme uma discussão breve quanto a própria identidade do indivíduo que está diretamente atrelada a suas crenças, com Scorsese mesclando em momentos chaves a imagem barbuda e cabeluda do ator britânico com uma imagem antiga de Cristo. Isto complexifica ainda mais a jornada emocional do protagonista para além de um mero exercício de bondade em suas atividades como jesuíta, mas trazendo uma carga ao lado egocêntrico do personagem.
         A abordagem do diretor, vale ressaltar, é mais contida do que de costume, com este não utilizando de suas técnicas mais tradicionais (como mover a câmera rapidamente na direção do rosto de seus atores, ou uma trilha sonora que dite o ritmo da projeção), mas sabendo trazendo um tom impetuoso e intenso para seu filme, seja desde as formas de tortura inacreditavelmente simples assustadoramente eficazes, ou até mesmo com imagens um pouco mais gráficas (como uma decapitação que remete à Kurosawa). Scorsese (em parceria com o diretor de fotografia Rodrigo Prieto), cria planos impressionantes em sua minúcia estética quando trás figuras e imagens impactantes surgindo entre as névoas das montanhas japonesas – e minha favorita talvez seja a imagem de uma crucificação tripla à beira-mar, com o diretor filmando-a de dentre de uma caverna, criando uma profundidade de campo que consegue compor uma imagem extremamente rica com indivíduos num primeiro plano  num contraluz e outras pessoas mais ao fundo completamente diminuídas em sua dor agonizante.
         O diretor ítalo-americano assina ainda o roteiro ao lado de Jay Cocks, sabendo utilizar de doses certas de exposição ao lançar mão no primeiro ato de “narrações em off” (que na verdade são fruto de cartas escritas pelos personagens) que funcionam para apresentar perspectivas acerca do mundo que o filme retrata, inserindo o espectador nos embates de maneira rápida. Com isso é interessante pontuar que talvez os melhores diálogos estejam na participação breve (porém memorável) de Liam Neeson no papel do padre Ferreira, com o personagem jogando questionamentos e idéias que condizem com a realidade e experiências do indivíduo naquele contexto.
         Pois no fim das contas é mais do que claro que “Silence” é a obra da vida do septuagenário cineasta, não por ser seu melhor filme (ainda que seja excelente), mas por mostrar o olhar melancólico e completamente permeado de dúvidas quanto a religiosidade de um indivíduo católico devoto. Assim, para todos aqueles que crêem, que já creram ou que nunca conseguiram se conectar com qualquer forma de convicção religiosa, o nome do filme é desenvolvido de forma extremamente poética ao abordar o silêncio da voz de um Deus na vida de uma pessoa crente da existência deste. E se tal descrição é relacionada diretamente ao personagem de Andrew Garfield, é fácil enxergar que também pode ser entendida a outro indivíduo: Martin Scorsese.




Excelente
Por Han Solo

2 comentários:

  1. Achei essa preciosidade de site e não quero mais largar,já li várias críticas aqui e achei excelente,parabéns pelo trabalho!!

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    1. Caramba, nós do H35mm ficamos muito felizes com os elogios, muito obrigado! Toda semana temos posts novos aqui no site e é a atenção da galera que curte que nos motiva a continuar!

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