segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Crítica: "Um Cadáver para Sobreviver"

Um Cadáver para Sobreviver
(Swiss Army Man)
Comédia/Drama/Fantasia
Data de Estreia no Brasil: 22/12/2016
Direção: Daniels
Distribuição: Netflix


“Um Cadáver para Sobreviver” é uma mistura de “O Enigma de Kaspar Hauser” com “Náufrago”, desenvolvidos com um senso de humor peculiar (pra dizer o mínimo) e revigorante em sua estranha originalidade. E se essa premissa soa interessante, saiba também que o filme estabelece alegorias de auto aceitação e fragilidade emocional das relações sociais contemporâneas a partir dos elementos mais primitivos da nossa natureza humana: um peido e uma ereção...

Os responsáveis por tal loucura são os roteiristas e diretores “Daniels” (Daniel Kwan e Daniel Scheinert), que incomodados com a utilização rala de episódios de flatulência em filmes para gerar o riso fácil, a dupla se concentrou em formular uma narrativa que usasse o peido como um elemento completamente integrante do enredo. No percurso, os realizadores também decidiram lançar mão de um dos gêneros que menos apreciavam (os musicais) para construir sua história na qual seguimos Hank (Paul Dano), um jovem que após um naufrágio ficou preso numa ilha deserta. Deprimido e prestes a se matar, Hank encontra o cadáver de Many (Daniel Radcliffe) que funciona como um canivete suíço humano (como o nome original do filme já dizia), utilizando de seu novo amigo para que possa retomar contato com a civilização.
Ancorado numa espécie de road movie no qual os laços afetivos dos protagonistas se fortalecem a medida que a história anda, o longa se beneficia com as performances perfeitas de Dano e Radcliffe. Assim, é notável a habilidade de Dano em construir um ar melancólico que consegue soar divertido para o espectador, ao mesmo tempo que estabelece os defeitos e opiniões equivocadas do personagem com uma sensibilidade tocante. Já Radcliffe faz uma verdadeira proeza ao conseguir demonstrar um processo de reanimação do cadáver, que nunca cansa de surpreender em sua composição carregada de doçura e insegurança dada a sua inocência. Ainda, é necessário salientar como a dupla de atores reproduz uma química formidável tanto no timing cômico, quanto nos momentos mais dramáticos do filme.
A construção do roteiro, além de possibilitar tais performances, ainda funciona em seu designe metafórico em vários níveis. Se num primeiro momento podemos notar o espelhamento da trajetória dos protagonistas que vão de inanimados e completamente inseguros para a uma reflexão de se aceitarem e se amarem da maneira como foram feitos; num segundo momento podemos também refletir como a própria trajetória geográfica da dupla estabelece um reflexo do mesmo arco dramático, já que nos minutos iniciais do filmes encontramos ambos numa ilha deserta (ressaltando a solidão de cada um), partindo para um caverna que gera um primeiro momento intimista de descoberta, para então uma floresta fechada e assim por diante. Porém, se por um lado tais alegorias de caráter mais fantasioso funcionam, por outro em seu terceiro ato o filme acaba por tropeçar na forma como tenta conciliar realidade e fantasia.
Outro problema se deve a forma um tanto prolixa com a qual a projeção se desenvolve em seu segundo ato - soando um pouco cansativo em tal seguimento, num filme de pouco mais de 90 minutos. Mas ainda assim, estes são apenas pecadilhos quando comparados com todos os acertos da montagem que consegue injetar energia, principalmente nos momentos no qual o filme utiliza mais do seu elemento “musical”. Tal aspecto, aliás, é maravilhosamente bem ressaltado pela trilha sonora de Andy Hull e Robert McDowell que é utilizada no momento perfeito para não só ressaltar o estado de espirito de Hank, como ainda se encaixa perfeitamente na proposta do longa com sua construção de vozes a capella – algo que também é notável na fotografia de Larkin Seiple, que reflete o estado de humor dos personagens.
Em meio a tudo isso, o designe de produção é espantoso em sua qualidade fenomenal, já que os realizadores conseguem empregar apenas lixo e objetos do cotidiano para construção de uma maquete de uma cidade inteira (com direitos a personagens de filmes clássicos da cultura pop) até mesmo um ônibus de tamanho real que conta ainda com galhos, cipós e outros objetos encontrados numa floresta. Com a direção bem ritmada e profundamente metalinguística dos “Daniels”, “Um Cadáver para Sobreviver” pode não ser o melhor filme do ano, mas, construído com tamanho cuidado em seus aspectos técnicos e contando com metáforas tão inventivas, é com toda certeza uma das realizações mais original de 2016.





Ótimo
Por Han Solo

Um comentário:

  1. Puxa, benvindo filme surreal, não muito fácil de ser visto, sobre os desencontros das pessoas, vitalidade e morte, amizade, paixão, paternidade, razão de viver e ser, etc., etc.. Por vezes os diálogos são arrastados e cenas inteiras são talvez não necessariamente a melhor das resoluções artísticas sobre o tema. Porém, dentro do que se sobressai e dentro dos grandes atores, nos leva a muitas reflexões, e isto é o que importa! Nota 8 incontestada!

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