Drama/Biografia
Data de Estreia no Brasil: 02/02/2017
Direção: Pablo Larraín
Distribuição: Diamond Films
“Jackie” é um filme de ambições
intrigantes, um longa que procura estudar sua personagem principal deslocando
sua posição tradicional de coadjuvante para protagonista em um dos eventos mais
famosos da história. É um filme que busca compreender a dor, o luto e a luta de
Jacqueline Kennedy (Natalie Portman) para transformar o enterro de seu marido
(o então presidente, John F. Kennedy) em um momento histórico que celebrasse
sua memória e o alçasse como uma personalidade importante do século XX. Ao
acompanhar os dias seguintes ao assassinato do ex-presidente dos Estados
Unidos, o filme se concentra em uma abordagem não linear que brilha em sua
perspectiva agonizante da instabilidade emocional da protagonista, mas que é ao
mesmo tempo falho em certas estruturas narrativas que soam irregulares e superficiais.
Parte de seus problemas já nascem no
roteiro, que parte de uma entrevista concedida (e praticamente instantaneamente
editada) por Jacqueline Kennedy para abordar flashbacks de maneira não linear.
A clara impressão que fica é a de que tal seguimento não se encaixa perfeitamente
a proposta do filme, funcionando levemente graças ao desempenho poderoso de Portman
(já volto neste item), já que a abordagem soa clichê e pouco desenvolvida, não
se justificando por si só, mas sim pelas informações expositivas que estas
permitem. O que não ajuda nenhum pouco é a montagem trôpega de Sebastián Sepúlveda,
que perde em fluidez ao intrometer de maneira abrupta seguimentos interessantes
da narrativa com a entrevista concedida pela primeira-dama.
Se por um lado tal edição e montagem parecem
tentar contribuir para o estado de pouca lucidez do filme, estas acabam não
condizendo com o que foi pensado previamente na produção e acabam atrapalhando muito o
ritmo da projeção – e, em entrevistas recentes, a própria Natalie Portman
salientou que longos takes foram utilizados nas filmagens de diversos diálogos,
mas estes nunca dão sinais de vida no filme. Assim, acompanhamos diversas
passagens de diálogos sendo intercalados ao longo do filme sem que isso
represente o verdadeiro impacto dramático necessário para tais seguimentos, já
que tais cortes são justamente utilizados de maneira excessiva nas conversas de
Kennedy com pessoas ao seu redor (quando a personagem parece decidida em transformar
seu marido em um ícone(, desfazendo imageticamente justamente o estado
emocional que ela procurava passar e funcionando infinitamente melhor nos
momentos em que encontramos a personagem vagando pelos aposentos da casa
branca, por se apresentar como um extensão da fragmentação emocional da protagonista naquele momento.
Contudo, todos estes defeitos são
relevados pelo espectador graças à performance calculada de Natalie Portman, com a atriz sendo hábil ao transmitir a transição emocional de Kennedy de um seguimento
a outro, e assim, transformar momentos disfuncionais como o da entrevista ou
mesmo as sequencias de diálogo retalhadas pela montagem em lapsos intimistas da personagem, com a atriz sabendo expressar fragilidade e força manipulativa
de uma maneira coerente com a personalidade que retrata. Reconstruindo também de
maneira mediúnica o linguajar e a dicção de Jacqueline Kennedy, Portman dá uma
interpretação minimalista de uma mulher que vivia interpretando uma personagem
de “primeira-dama perfeita”, trazendo um peso dramático em sua caracterização justamente quando ela parece querer conter suas emoções, soando extremamente verossímil em sua composição gestual que também remete bem à Kennedy.
Ainda, o diretor chileno Pablo Larraín é
hábil ao construir uma atmosfera inquietante ao redor da protagonista, com sua
câmera que parece sempre invadir o cotidiano desta, com enquadramentos muito
próximos do rosto da atriz e que transitam em pouca profundidade de campo. O
cineasta é ainda competente em construir uma narrativa coerente e corajosa ao
evitar ao máximo mostrar o rosto do presidente Kennedy, salientando o seu
status de coadjuvante na estória que quer contar – e, assim, acabo ficando em
dúvida se havia real necessidade em reconstituir o assassinato em seu clímax da
maneira com que foi feito, soando uma tentativa de impacto dramático na platéia
muito mais do que na protagonista do longa, já que o posicionamento de câmera
do diretor se preocupa em mostrar por onde a bala entrou, ao invés de enquadrar
o acontecimento na perspectiva de Jacqueline Kennedy. O diretor peca também ao construir
cenas de diálogos curtos (menos de 60 segundos) que se passam em um único cômodo
com uma câmera estática, mas que pulam constantemente de posições diferentes
dos atores (de um sofá, para encostados no batente da porta e depois numa
escrivaninha, por exemplo), sem que haja uma lógica por trás disso, já que a
impressão que fica é que o personagens conversam duas frases por ambiente no
cômodo.
Porém, a produção de Jackie acerta sem ressalvas
em seus aspectos técnicos que vão desde a construção de época e eventos famosos
em seus figurinos e direção de arte dos ambientes, até mesmo a espetacular
trilha sonora experimental e de Mica Levi, que aposta em sons dissonantes e
incidentais para contribuir para a atmosfera de instabilidade que cerca a
protagonista. Levi consegue compor uma trilha que contribui para a ambientação
das cenas sem que com isso soe como um mero comentário do que o espectador deve
sentir em relação a cada cena, mas sim retratando a psique da personagem. Isto
na verdade pode resumir bem a funcionalidade de Jackie que como estudo de
personagem é espetacular, mas em sua estruturação tradicional de drama de época
(que o filme parece tentar evitar nem sempre com sucesso) é apenas regular.
Bom
Por Han Solo
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