Documentário
Data de Estreia no Brasil: 4/07/2016 (diretamente pra TV)
Direção: Ezra Edelman
Distribuidora: ESPN Brasil
Não se engane, “O.J.: Made in America”
não é um mero documentário biográfico sobre uma das maiores personalidades da
história dos Estados Unidos. O longa dirigido por Ezra Edelman é um estudo
sobre violência, sobre a história da brutalidade policial em Los Angeles que
subjugou, perseguiu e espancou indivíduos negros considerados mais perigosos
que as demais pessoas da sociedade apenas por possuírem um número maior de
melanina na pele. Se você está interessado em conferir esta obra, mas teme o
número de horas que o filme possui (450 min/ 7h:30min), saiba que cada detalhe
contribui para a construção trágica da história de O.J. Simpson, um herói do
futebol americano que foi acusado de matar de forma brutal sua ex-esposa Nicole e um amigo desta,Ronald Goldman.
Construindo seu argumento (que procura
gerar debate e nunca respostas fáceis) a partir de uma retomada de décadas da
história da figura de Orenthal James Simpson e da violência acometida aos
negros nos EUA de forma paralela, a obra surpreende ao constatarmos que sua
construção se dá a partir da estrutura clássica de atos que são esticados
proporcionalmente à quantidade de informações que o filme reúne. Assim, ao
longo do filme vamos percebendo como o histórico racista da polícia é utilizado
para amarrar a estória que o longa quer contar, seja no histórico do “protagonista”
biografado, seja no comentário acerca da mídia sensacionalista, ou mesmo na
estratégia jurídica adotada pelos advogados de defesa. O diretor é hábil ao
conseguir estabelecer tanto um olhar atencioso e compreensivo quanto às
motivações raciais que levaram a comunidade negra a clamar pela liberdade de
O.J., ao mesmo tempo em que emprega fatos e argumentos que salientam a construção
problemática da psique de Simpson, um marido abusivo que perseguia sua
ex-esposa com um ciúmes doentio.
Nesse ponto, o filme brilha com a
complexidade que consegue transparecer do ex-atleta, mostrando todo o esforço
por trás das conquistas de O.J. como jogador de futebol americano,
transformando sua derrocada em uma narrativa dolorosamente previsível (no bom sentido narrativo) - e,
assim, é interessante perceber como novamente o filme se utiliza de uma
estrutura clássica de roteiro para abordar a história de Simpson, já que o
longa se estabelece claramente em uma construção de "ascensão, auge e declínio", porém sem transparecer qualquer sinal do seguimento "redenção". É
Impressionante, assim, reparar que o documentário é extremamente competente em
abordar uma provável sociopatia por parte do biografado, realçando o famoso
charme de O.J (que utilizava disto para sair de qualquer situação), com uma
compulsão crescente do protagonista em mentir, bem como toda a reconstrução do
relacionamento de O.J. com Nicole em todas a violência a qual esta foi
submetida (foram 62 ocorrências de abusos no nome de Nicole).
O que acaba ficando no centro de tudo
isso é a personalidade errante de Simpson, que por décadas afirmou “não sou
negro, eu sou O.J.”, se negando a aderir a luta dos negros pelos direitos civis, aparecendo em programas de TV para justificar tal atitude - um ato que o filme salienta como um dos pontos pelos quais a sociedade racista
branca incorporou O.J. como um ídolo, já que este era utilizado como não só em
discursos meritocráticos durante a década de 60, como ainda foi cada vez mais
estabelecido como uma entidade acima de qualquer perspectiva racial. Assim, o
filme se aproveita de tal aspecto para abordar a hipocrisia da sociedade norte
americana em seu discurso racista, que encarou o ex-ator O.J. como um pária instantâneo,
contando com a inacreditável atitude da revista TIME de forçar o contraste na
foto de capa do O.J. para que este parecesse “mais negro”. Aliás, “Made in
America” é um filme que não poupa de críticas as mais diversas entidades
envolvidas no caso, seja a procuradoria que investiu numa investigação capenga
e falha em sua arrogância, ou mesmo na demagogia de advogados, mas
principalmente no circo midiático que se instaurou no julgamento.
Sendo uma narrativa ambiciosa, o
documentário precisava se solidificar nas imagens de arquivo para contar suas
histórias, e o filme não desaponta neste quesito,
pelo contrário, ele surpreende em sua pesquisa minuciosa que conta com acessos
à arquivos oficiais do caso, desde imagens de origem familiar, à gravações
feitas pela polícia durante as ligações desesperadas de Nicole. Inclusive, é
justamente com esta que o filme toma uma atitude corajosa ao mostrar as fotos
da cena do crime e da autópsia que mostram as incisões feitas à facadas nos
corpos de Nicole e Ronald Goldman sem
qualquer ressalvas, sem que com isso o filme soe exibicionista já que este
consegue atrelar este ato como o provável caminho final de anos de violência
doméstica. Ainda, a adesão dos mais diversos entrevistados (praticamente quase todos os indivíduos envolvidos com qualquer aspecto apresentado) é crucial para que argumentos de autoridade sejam estabelecidos no debate acerca dos temas.
Tais tipos de decisões podem ser
colocadas como os exemplos do porquê “O.J.: Made in America” funciona tão bem,
pois o filme se estabelece numa estrutura convencional em seu roteiro para
abordar de forma complexa e aprofundada temas muito difíceis. O documentário de
Ezra Edelman (fiquem de olho neste rapaz!) é inteligente e coerente ao não
abandonar a história de Simpson logo após seu julgamento, abordando o restante
de sua vida para ressaltar a instabilidade mental que cada vez mais se aflorou
no indivíduo, criando assim uma narrativa que consegue explorar de forma
intrigante a própria identidade de quem foi Orenthal James Simpson, que passou
de herói a vilão numa tragédia estarrecedora, ainda que completamente
anunciada.
Excelente
Por Han Solo
Por Han Solo
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