terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Crítica: "O Abutre"

O Abutre
(Nightcrawler)
Drama - 2014 (Estados Unidos)
Data de Estreia no Brasil: 27/11/2014
Direção: Dan Gilroy

Distribuidora: Diamond Films


Numa tela de TV um corpo ensanguentado é utilizado como imagem da notícia de ultima hora, algo que realmente só se torna interessante em função da alienação pública, fazendo com que uma determinada rede de televisão tenha níveis altíssimos de audiência por pessoas que cada vez mais criticam as tragédias no mundo, porém que não mudam de canal. Suplantados por um sistema televisivo antiético, diversos “cinegrafistas” saem pelas ruas em busca de imagens fortes que possam ser usadas como a próxima atração... Infelizmente, não falo aqui simplesmente desse filme sensacional que é O Abutre, mas sim da real situação que o ramo da “noticia” vive. Sendo assim incrível reparar como os assuntos abordados pelo filme soam originais, atuais e extremamente relevantes.

Mas vamos à história: Loius Bloom (Jake Gyllenhaal), um jovem que obstáculo algum consegue detê-lo de cometer seus delitos em busca de uma ascensão na vida, vê no submundo do jornalismo criminal independente de Los Angeles uma chance para a realização dos seus desejos.  O jovem acaba por se transformar no número um do ramo, alimentando um programa de notícias da madrugada gerenciado por Nina (Rene Russo), acabando por ultrapassar as barreiras da ética com sua ascensão a partir da tragédia.

O título traduzido O Abutre acaba então por se encaixar perfeitamente à trama do filme sendo que o personagem de Gyllenhaal vive de uma prática de se “alimentar” de tragédias e mortes de qualquer individuo para que a sua vida prospere. Da mesma forma, o nome acaba por se encaixar perfeitamente também com o fato de Louis ser capaz de identificar e se aproveitar de qualquer fraqueza dos indivíduos a sua volta, seja com seu assistente Rick, interpretado por Riz Ahmed, (um jovem que precisa desesperadamente de dinheiro) ou mesmo com Nina (que se vê a um passo da demissão), Bloom não vê problema algum em utilizar dos meios mais abomináveis para conseguir o que deseja.

O que nos leva a performance magnífica de Jake Gyllenhaal, um ator que a cada trabalho que desempenha demonstra uma energia e intensidade cada vez maior, e que aqui desempenha provavelmente o melhor trabalho de sua carreira já recheada de grandes personagens.  Com um olhar vidrado de olhos que poderiam competir com Dr. Hannibal Lecter num concurso de quem pisca por ultimo, com  uma postura encurvada, extremamente educado e de fala macia, Louis Bloom se transforma num sociopata que nos intimida sem erguer o tom de voz. Movido somente pela sua cobiça e individualismo, Bloom não vê mal algum no tipo de cena que está filmando com tanto que está lhe sirva para venda, ao ver um “colega de profissão” acidentado, por exemplo, Bloom afirma que independente de quem ele era agora ele é um produto. Funcionando como um simbolismo perfeito da hipocrisia social dos telespectadores deste tipo de noticia, sem esboçar qualquer reação forte a eventos catastróficos, embora saiba a relevância destes, Louis Bloom está a todo o momento confrontando o espetáculo com a vida, buscando cada vez mais a sua glória.

Não é a toa então que a narrativa dê bastante espaço para a questão da ética no meio jornalístico. E a todo momento os personagens envolvidos trama parecem se corromper em vista da oportunidade de um estouro de audiência, se destacando um dado momento em que a personagem de Rene Russo, comandando por um ponto auricular o direcionamento dos Ancoras do programa jornalístico, exige que estes frisem certos aspectos da notícia visando o maior aproveitamento da audiência ao longo do dia, sem levar em consideração qualquer valor ético, se preocupando somente com possíveis consequências legais. Tal perspectiva de manipulação me lembrou, e muito, do longa A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder. Naquele belíssimo trabalho de 1951 o jornalista Charlie Tatum transformou a notícia de um homem preso dentro de uma mina em um assunto nacional, atraindo diversos curiosos ao local, sem se preocupar com o estado de saúde do individuo, manipulando a situação apenas para a ressurreição de sua carreira.

O filme de Billy Wilder, vale ressaltar, não é o único trabalho que fica referenciado pelo filme do diretor Dan Gilroy. O eterno Cult Taxi Driver também está constantemente presente no clima do filme, seja quando o Bloom dirige pela cidade observando as pessoas na rua ou mesmo pela composição de sua própria personalidade sendo que tanto este quando Travis  Bickle são outsiders que vagam pelas ruas a noite, algo que, tenho de reconhecer, foi muito bem apresentado por Gilroy.



O diretor e roteirista, diga-se de passagem, cria uma lógica narrativa tanto visual (visto que nunca vemos as vítimas claramente, mas sim, sempre a partir de sua câmera), fazendo com que nos tornemos parte das atitudes de Louis enquanto este faz suas filmagens, quanto temática, fechando o filme de forma perfeita, sem suavizar o personagem dando ao filme um final cínico, porém realista. Fica difícil sair da sala de cinema sem pensar no fato de que ao chegar em casa podemos sentar no sofá e notarmos que numa tela de TV um corpo ensanguentado é utilizado como imagem da notícia de ultima hora...



Excelente

Por: Han Solo

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