Drama
Data de Estreia: 14/01/2016
Direção: Gabriel Mascaro
Distribuição: Imovision
A recente polêmica envolvendo a não
indicação do filme "Aquarius" como representante brasileiro no oscar fez com que
todos os cinéfilos voltassem seus olhos não somente para a obra soberba de
Kléber Mendonça Filho, mas também para todos os outros pré indicados que haviam
feito algum barulho no decorrer do ano. Assim, alguns filmes que estrearam sem
cabine de imprensa e sem um número abastado de salas de cinema acabaram
passando batido para as nossas críticas. Agora escrever sobre estes filmes é
mais importante do que nunca, visto que para julgar se realmente Aquarius era o
melhor filme brasileiro do ano é preciso que apresentemos nossa própria visão
dos outros concorrentes - não que isso reduza o caráter de revanchismo político
que a indicação de “Pequeno Segredo” representa, já que o filme com Sonia Braga era a nossa melhor chance em anos de ganhar um prêmio da academia. Continua sendo uma decisão
estúpida com um auto grau de repressão-. Em meio a todo esse transtorno
ideológico, dois filmes se retiraram da competição em nome do filme de Mendonça
Filho, um deles é este excelente e metafórico “Boi Neon”.
“Boi Neon” parece a adaptação
perfeita da música “Admirável Gado Novo” de Zé Ramalho para o cinema, já que o
filme se revela uma grande alegoria sobre a vida de gado de seus personagens
que, embora mantenham o sonho de serem mais do que a vida lhes proporciona (já
volto mais especificamente neste item), são constantemente levados de volta a
sua dura realidade de trabalho no sertão. Assim, acompanhamos o drama do
vaqueiro Iremar (Juliano Cazarré) que sonha em ser estilista de moda, viajando
pelo Nordeste na companhia de Galega (Maeve Jinkings) e a filha desta (Cacá, interpretada
por Alyne Santana) levando gado para trabalhar em vaquejadas, numa abordagem do longa que mostra sempre de maneira cru os percalços e pequenos sonhos destes
personagens.
Tal crueza se dá desde a abordagem do diretor
Gabriel Mascaro que aposta em longos takes de câmera estática, deixando que sua
mise-en-scène conte sua própria história de maneira natural. Assim, podemos
acompanhar todos os indivíduos da projeção exercendo seus trabalhos da forma
mais natural do mundo enquanto discutem os mais diversos aspectos de suas
vidas. Algo realçado ainda mais pelas interpretações minimalistas e
extremamente naturais de todos os atores envolvidos no projeto: observe o
Iremar de Cazarré, por exemplo, exercendo seu trabalho de passar areia no rabo
dos bichos ou mesmo com a naturalidade (triste, diga-se de passagem) com que o
protagonista mete a mão em bosta de boi enquanto lava o curral, num indicio claro
da forma com que o personagem esta acostumado com mais esta pequena atividade
cotidiana que este faz com naturalidade.
Até mesmo a perspectiva do
relacionamento entre mãe e filha de Jinkings e Santana é construído de forma
natural pelo longa, já que os pequenos embates de frustração, curiosidade e
realidade entre as duas personagens diz muito sobre como todas discussões entre
elas parece ser algo repetitivo em suas vidas, com o filme trazendo assim um
forte elemento de passado para a vida das personagens que é importantíssimo
para a imersão do espectador. Ainda assim, a narrativa não nos apresenta estas
personagens somente como uma “mãe” e uma “filha” já que Galega apresenta
desejos sexuais que, embora perfeitamente naturais no mundo real, são
constantemente castrados nas produções cinematográficas, enquanto a pequena
Cacá demonstra também ter seus sonhos e desejos representados nas metáforas do
filme.
Assim, o diálogo ao começo do filme no
qual Cacá demonstra sua admiração pelos cavalos que vê ao longe, sendo
reprimida por Iremar como que estes não chegam a ser nunca tão úteis quanto os
bois que eles carregam em seu caminhão, é um ponto chave para que o filme
comece a desdobrar o desejo dos personagens em serem cavalos, mais “livres”,
fortes e bonitos, enquanto a dura realidade os deixa presos literalmente numa
vida de gado. Dessa fora, há duas imagens particularmente icônicas ao longo da
projeção: a primeira delas é o próprio título do filme, que representa uma
ironia tremenda do fato de que, por mais que a atração “Boi Neon” brilhe no
escuro e seja mais bonita que os demais, isto nunca destoa ou transforma a
realidade de violência que o animal sofre nas vaquejadas; outro momento
brilhante, e igualmente melancólico de se analisar, é o qual a garotinha brinca
com um cavalo de brinquedo sobre a cabeça dos bois presos no curral, evocando
novamente esta realidade nunca alcançada, mas sempre sonhada pelos personagens.
Assim, a fotografia espetacular de
Diego Garcia consegue tanto empregar luzes fortes e artificiais para momentos
como nos quais uma mulher com cabeça de cavalo dança para a câmera, conseguindo
equilibrar isso com uma cinematografia mais realista, porém não muito dessaturada
(que seria um clichê), conseguindo corroborar para o clima proposto por Mascaro
(que também assina o roteiro) nessa perspectiva que apresenta tanto a realidade
crua quanto os sonhos dos personagens que galopam longe. “Boi Neon” é uma obra
diferente e inteligente, sendo sim um dos melhores trabalhos do ano de 2016 com
seus simbolismos e personagens errantes, o quais somos forçados a abandonar ao
fim do filme sem que as angustias e sonhos deles nos abandonem.
Excelente
Por Han Solo
Por Han Solo
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