sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Crítica: "Boi Neon"

Boi Neon
Drama
Data de Estreia: 14/01/2016
Direção: Gabriel Mascaro
Distribuição: Imovision

         A recente polêmica envolvendo a não indicação do filme "Aquarius" como representante brasileiro no oscar fez com que todos os cinéfilos voltassem seus olhos não somente para a obra soberba de Kléber Mendonça Filho, mas também para todos os outros pré indicados que haviam feito algum barulho no decorrer do ano. Assim, alguns filmes que estrearam sem cabine de imprensa e sem um número abastado de salas de cinema acabaram passando batido para as nossas críticas. Agora escrever sobre estes filmes é mais importante do que nunca, visto que para julgar se realmente Aquarius era o melhor filme brasileiro do ano é preciso que apresentemos nossa própria visão dos outros concorrentes - não que isso reduza o caráter de revanchismo político que a indicação de “Pequeno Segredo” representa, já que o filme com Sonia Braga era a nossa melhor chance em anos de ganhar um prêmio da academia. Continua sendo uma decisão estúpida com um auto grau de repressão-. Em meio a todo esse transtorno ideológico, dois filmes se retiraram da competição em nome do filme de Mendonça Filho, um deles é este excelente e metafórico “Boi Neon”.

         “Boi Neon” parece a adaptação perfeita da música “Admirável Gado Novo” de Zé Ramalho para o cinema, já que o filme se revela uma grande alegoria sobre a vida de gado de seus personagens que, embora mantenham o sonho de serem mais do que a vida lhes proporciona (já volto mais especificamente neste item), são constantemente levados de volta a sua dura realidade de trabalho no sertão. Assim, acompanhamos o drama do vaqueiro Iremar (Juliano Cazarré) que sonha em ser estilista de moda, viajando pelo Nordeste na companhia de Galega (Maeve Jinkings) e a filha desta (Cacá, interpretada por Alyne Santana) levando gado para trabalhar em vaquejadas, numa abordagem do longa que mostra sempre de maneira cru os percalços e pequenos sonhos destes personagens.
         Tal crueza se dá desde a abordagem do diretor Gabriel Mascaro que aposta em longos takes de câmera estática, deixando que sua mise-en-scène conte sua própria história de maneira natural. Assim, podemos acompanhar todos os indivíduos da projeção exercendo seus trabalhos da forma mais natural do mundo enquanto discutem os mais diversos aspectos de suas vidas. Algo realçado ainda mais pelas interpretações minimalistas e extremamente naturais de todos os atores envolvidos no projeto: observe o Iremar de Cazarré, por exemplo, exercendo seu trabalho de passar areia no rabo dos bichos ou mesmo com a naturalidade (triste, diga-se de passagem) com que o protagonista mete a mão em bosta de boi enquanto lava o curral, num indicio claro da forma com que o personagem esta acostumado com mais esta pequena atividade cotidiana que este faz com naturalidade.
         Até mesmo a perspectiva do relacionamento entre mãe e filha de Jinkings e Santana é construído de forma natural pelo longa, já que os pequenos embates de frustração, curiosidade e realidade entre as duas personagens diz muito sobre como todas discussões entre elas parece ser algo repetitivo em suas vidas, com o filme trazendo assim um forte elemento de passado para a vida das personagens que é importantíssimo para a imersão do espectador. Ainda assim, a narrativa não nos apresenta estas personagens somente como uma “mãe” e uma “filha” já que Galega apresenta desejos sexuais que, embora perfeitamente naturais no mundo real, são constantemente castrados nas produções cinematográficas, enquanto a pequena Cacá demonstra também ter seus sonhos e desejos representados nas metáforas do filme.
         Assim, o diálogo ao começo do filme no qual Cacá demonstra sua admiração pelos cavalos que vê ao longe, sendo reprimida por Iremar como que estes não chegam a ser nunca tão úteis quanto os bois que eles carregam em seu caminhão, é um ponto chave para que o filme comece a desdobrar o desejo dos personagens em serem cavalos, mais “livres”, fortes e bonitos, enquanto a dura realidade os deixa presos literalmente numa vida de gado. Dessa fora, há duas imagens particularmente icônicas ao longo da projeção: a primeira delas é o próprio título do filme, que representa uma ironia tremenda do fato de que, por mais que a atração “Boi Neon” brilhe no escuro e seja mais bonita que os demais, isto nunca destoa ou transforma a realidade de violência que o animal sofre nas vaquejadas; outro momento brilhante, e igualmente melancólico de se analisar, é o qual a garotinha brinca com um cavalo de brinquedo sobre a cabeça dos bois presos no curral, evocando novamente esta realidade nunca alcançada, mas sempre sonhada pelos personagens.
         Assim, a fotografia espetacular de Diego Garcia consegue tanto empregar luzes fortes e artificiais para momentos como nos quais uma mulher com cabeça de cavalo dança para a câmera, conseguindo equilibrar isso com uma cinematografia mais realista, porém não muito dessaturada (que seria um clichê), conseguindo corroborar para o clima proposto por Mascaro (que também assina o roteiro) nessa perspectiva que apresenta tanto a realidade crua quanto os sonhos dos personagens que galopam longe. “Boi Neon” é uma obra diferente e inteligente, sendo sim um dos melhores trabalhos do ano de 2016 com seus simbolismos e personagens errantes, o quais somos forçados a abandonar ao fim do filme sem que as angustias e sonhos deles nos abandonem.






Excelente
Por Han Solo

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