domingo, 23 de outubro de 2016

Crítica: "A Garota no Trem"

A Garota no Trem
(The Girl on the Train)
Suspense/Mistério
Data de Estreia no Brasil: 27/10/2016
Direção: Tate Taylor
Distribuição: Universal Pictures



         É difícil sair da sessão de “A Garota no Trem” sem pensar que o longa representa uma excelente construção psicológica de seus personagens, com momentos de rimas temáticas e interação destes que despertam a curiosidade do espectador. Porém, também é difícil sair da sala de projeção sem pensar que a lentidão do filme em sua construção narrativa (de “grandes revelações”), apesar de se mostrar até que consistente em proposta, acaba sendo uma experiência desgastante pro público que espera por duas horas ser surpreendido, mas que consegue antecipar todos os passos dos indivíduos presentes na narrativa – e levando em consideração que estamos falando de um suspense/mistério é ainda mais alarmante que o resultado beire muitas vezes o tedioso.

         Esta construção psicológica complexa e intrigante já nos fisga quando somos apresentados a nossa protagonista Rachel (Emily Blunt), uma figura de olhos tristes e desorientados pelo vício em álcool, que após perder o emprego e ter se divorciado de Tom (Justin Throux) encontrou como atividade diária uma viagem de trem que passa na frente de sua antiga residência – a qual agora é habitada por Tom ao lado de Anna (Rebecca Ferguson) e a filha do casal -, enquanto dedica atenção também aos vizinhos Megan (Halley Bennett) e Scott (Luke Evans), um casal que em sua aparente perfeição romântica desperta a inveja triste de Rachel, que enxerga na união dos dois toda a culpa e frustração dos sonhos não realizados em seu casamento.
         O mais impressionante é a forma com que os roteiristas conseguem desconstruir toda a aparente perfeição nas menores relações dentro do filme, algo que dá um caráter cíclico nas relações abusivas psicologicamente entre os casais presentes na película. Assim, temas são ressaltados por atitudes e desejos das personagens femininas, que aparentam uma eterna luta interna com suas frustrações e medos. E mesmo que o roteiro recorra no erro de utilizar uma narração em off para apresentar certos pensamentos ocultos das personagens, ainda assim não podemos afirmar que a proposta seja disfuncional, ainda que medíocre do ponto de vista estrutural narrativo.
         Assim, quando “A Garota no Trem” não se entrega a abordagens clichês em sua estrutura e opta por uma linha narrativa mais inteligente somos surpreendidos com a complexidade que praticamente todos os personagens possuem no filme, visto que, desde Rachel até o psiquiatra Karmal Abdic (Edgar Ramirez), os indivíduos que passam pela projeção tendem a enfrentar decisões e tentações que os tornam mais humanos para os olhos do espectador. Tal perspectiva nos faz com que pelo menos meramente o destino de cada personagem nos seja relevante, algo que, ao menos em tese, proporciona um grau de ansiedade para sabermos o resultado final da projeção.
         É mesmo uma pena que ao investir em uma proposta complexa as roteiristas (Erin Wilson e Paula Hawkins) e o diretor Tate Taylor estejam presos na própria armadilha contemplativa que armaram, já que o longa parece sempre se arrastar em sua primeira metade, com informações novas e importantes sendo adicionadas por uma estrutura de tempo não linear – avançamos dos dias atuais para alguns meses atrás, para alguns meses a frente (mas ainda não os dias atuais), voltamos aos dias atuais e aos poucos novas informações do passado são adicionadas de tempos em tempos com flashbacks ou retomadas de memória. A bagunça criada pelo roteiro cria um filme de ritmo trôpego e extremamente enfadonho, com passagens que acabam por denunciar cerca de 40 minutos antes aquilo que o filme julga uma grande revelação.
         Nesse aspecto, a direção de Taylor peca por momentos de obviedade gritante (como ao esconder o rosto de uma figura em determinada parte da projeção) ou mesmo por estender muito diversas passagens que ressaltam o estado de embriaguez da protagonista. Porém, quando o diretor se concentra em ser mais discreto é inegável que o filme apresenta composições interessantes, como no hábito constante dos personagens buscarem um olhar para fora dos aposentos através de janelas, como que desejassem ver além da própria angústia que permeia suas vidas, o que da uma perspectiva uníssona para a própria motivação de Rahcel viver observando através da janela do trem em relação aos demais indivíduos do filme – e a abordagem é ainda mais interessante quando percebemos que nós como espectadores também somos colocados pelo filme como voyeurs de apenas pequenas partes das vidas daqueles personagens.
Ainda, é notável o impacto de uma rima visual que um pequeno pingo d’água pode gerar, bem como construção de “pista e recompensa” a partir de um pequeno objeto usado de maneira corriqueira e que ganha um significado divertido (ainda que óbvio) para o arco dramático da personagem de Emily Blunt – e é mesmo uma pena que o roteiro sinta a necessidade de verbalizar tal arco na última cena do filme, sendo não só redundante, mas também frustrante. E já que citei Blunt pela segunda vez, me vejo na obrigação de apontar que sua performance é absolutamente espetacular, sabendo condicionar apenas com sua linguagem corporal e olhar os diferentes estados de embriaguez de Rachel, ainda se mostrando uma figura trágica cada vez que a narrativa avança. Tais elogios de atuação podem ser feitos a todo o elenco que, em maior ou menor grau, funcionam em suas propostas básicas, merecendo um destaque para as atuações masculinas de Evans e Throux conseguem apontar as nuances e mudanças de perspectiva de seus personagens e que se revelam vitais para a temática maior que o filme revela (aí sim) aos poucos.
Com os créditos finais surgindo na tela existirá no espectador certo grau de satisfação pela abordagem inteligente da psique dos personagens, mas um tremendo cansaço por tais aspectos estarem relacionados a uma obra extremamente lenta, quando deveria ter apostado num pouco mais no dinamismo. Uma revisada na estrutura do roteiro e uma direção mais concisa e inteligente (é inevitável pensar no nome de David Fincher), “A Garota no Trem” poderia ter sido um dos grandes filmes do ano, ao invés disso, entre um bocejo e outro, sabemos que é apenas um bom filme de boas idéias.




Bom
Por Han Solo

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