(The Birth of a Nation)
Drama
Data de Estreia no Brasil: 10/10/2016
Direção: Nate Parker
Distribuidora: Fox Filmes
Direção: Nate Parker
Distribuidora: Fox Filmes
Para qualquer cineasta, realizar a proposta deste “O
Nascimento de uma Nação” seria uma tarefa ambiciosa, dada todas as nuances que
o projeto requer em sua construção. Já que este é o trabalho de estréia
na direção de alguém, constatamos que o projeto ganha contornos quase que megalomaníacos.
A parte interessante é que o jovem Nate Parker se sai moderadamente bem em seu
projeto inicial, sabendo realçar temas instigantes e abordando momentos
dramáticos com sensibilidade, porém, este é um trabalho inconsistente também,
se transformando numa versão menos impactante e envolvente de “Coração Valente”.
E acredite a comparação com o longa de Mel Gibson
não é exagero quando vemos a similaridades nos aspectos de produção, já que
Nate Parker escreve, dirigi e estrela este novo longa. Contando a história de
Nat Turner, um indivíduo religioso que, após testemunhar e sofrer inúmeras
crueldades por parte dos senhores de escravos, coordenou uma insurreição
sangrenta em meados de 1831. Contudo, não pense o leitor que este se trata de
um filme de grandes batalhas (embora haja algumas), quando na verdade este é o
drama de desenvolvimento de personagem que passa de um homem simples a mártir,
sendo já o primeiro grande erro do filme ao apontar em seu prólogo um caráter mítico
quanto ao destino do protagonista, o que não só danifica o arco deste, como
ainda é usado de forma completamente relapsa, sendo um elemento que só é
retomado ao final do filme.
Ainda assim, é interessante observar o ódio
crescente por parte do protagonista, assim como a emblemática utilização da “palavra
divina” no contexto da época, já que Turner é uma espécie de pregador de escravos
oficial na região (podendo recitar da bíblia somente alguns versos escolhidos
pelos escravocratas) e este utiliza de sua oratória e sua própria fé para
mobilizar o grupo escravizado. O que engrandece tremendamente o personagem é a
atuação intensa de Nate Parker, que consegue construir seu protagonista com um
ar de incredulidade frente a realidade que aos poucos é suplantado pela frieza,
que por sua vez só se desenvolve após Turner passar por um turbilhão emocional
que aflora somente no olhar marejado ou mesmo em um crescente tom de voz.
Porém, se as nuances de interpretação engrandecem
o protagonista, a abordagem do roteiro e da direção acaba por reduzi-la (e é
mesmo irônico que as três tarefas sejam de um mesmo indivíduo), pois o filme
parece se preocupar muito mais em construir uma entidade grandiosa, do que realçar a humanidade em uma figura importante.
Nesse aspecto, embora esteticamente Parker componha algumas imagens belas e de
significados interessantes (como as duas velas que queimam com a mesma chama
durante a noite de núpcias do casal principal, ou a sequencia na qual vemos as
mãos pequenas de um garotinho se encharcarem de sangue e algodão), o diretor
toma decisões que acabam por soar covardes. Isto fica notável na sequencia de
assassinatos operada pelos escravizados, com o cineasta preferindo por cortar
antes de que vejamos qualquer golpe ser desferido, o que em comparação com as
cenas de tortura, ou mesmo no momento no qual vemos uma cabeça decapitada e
outra destruída por um tiro, acaba por criar um clima de inconsistência, como
se Parker temesse o julgamento do espectador – O que não condiz com os atos de Turner,
pois por mais brutais que estes parecessem, ao menos estariam “justificados”
pela psique do personagem que foi construída ao longo do filme.
Outro elemento que funciona moderadamente na
direção de Parker são as sequencias alegóricas na qual o realizador decide
se arriscar mais. Embora algumas cenas encaixem perfeitamente na narrativa
(como as de caráter onírico que apresentam o crescimento de Parker de
criança fragilizada à adulto que se levanta contra seus inimigos), outras soam
desajeitadas em seu caráter espiritual – o que é uma pena, já que tal aspecto é
muito melhor trabalhado quando o diretor resolve ser mais discreto, como quando
há um foco de luz entre as folhagens das árvores ou mesmo entrando pela janela
que envolvem o protagonista, remetendo (aí sim) a um caráter divino de forma
certeira. Isto ainda é realçado pela cinematografia de Elliot Davis que
constrói contrastes maravilhosos entre a luz da lua na pele escura dos
protagonistas e a luz de velas, já que o Davis trabalha numa paleta que realça cores básicas em seu filtro que tende para o azul.
Construído de uma maneira por vezes prolixa em sua
edição, o longa ainda realiza um desserviço para com as mulheres negras que “protagonizam”
sua história, já que a participação destas se resume em acontecimentos que
serão utilizados para desenvolver e mobilizar somente os homens da produção,
sendo um verdadeiro milagre a composição mais complexificada de Aunjanue Ellis
em sua Nancy, já que a atriz possui pouquíssimo material pra trabalhar. Ainda,
o filme tropeça ao criar muito mais caracterizações para os personagens
secundários do que qualquer personalidade, o que acaba chamando a atenção para
o personagem Samuel Turner, de Armie Hammer por dois motivos: o primeiro é pela
forma inconsistente com a qual o roteiro joga suas motivações, já que seu
desejo de engrandecer sua fazenda novamente é atirado no meio do filme sem
qualquer construção; o segundo motivo é a atuação perfeita de Hammer que
consegue transitar do carismático ao repugnante, tudo isso com um tom até mesmo
trágico por parte do personagem que é jovem, solitário e alcoólatra.
Procurando
resignificar o título de um dos filmes mais importante e mais repugnantes da
história do cinema, “O Nascimento de uma Nação” consegue fazer isso muito mais
em sua temática e proposta inicial, do que em qualquer outro nível de abordagem
cinematográfica. Talvez o maior exemplo disso seja a decisão de Parker em
concentrar a figura do vilão em um personagem em si (Raymond Cobb de Jackie Earle
Haley), quando claramente a temática do filme por si só já bastaria para
impulsionar de maneira plausível o protagonista e gerar o engajamento do
público. Ao optar por tal abordagem (retirada de maneira errônea do primeiro
ato de “Coração Valente” – sim, ele de novo) o longa se auto-sabota novamente,
mostrando que excelentes temas merecem uma abordagem menos irregular. Embora este de forma alguma seja um filme ruim, Nat Turner e toda a mobilização da causa mereciam um filme melhor.
Bom
Por Han Solo
Por Han Solo
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