sábado, 24 de dezembro de 2016

Crítica: "O Nascimento de Uma Nação"

O Nascimento de Uma Nação
(The Birth of a Nation)
Drama

Data de Estreia no Brasil: 10/10/2016
Direção: Nate Parker
Distribuidora: Fox Filmes

Para qualquer cineasta, realizar a proposta deste “O Nascimento de uma Nação” seria uma tarefa ambiciosa, dada todas as nuances que o projeto requer em sua construção. Já que este é o trabalho de estréia na direção de alguém, constatamos que o projeto ganha contornos quase  que megalomaníacos. A parte interessante é que o jovem Nate Parker se sai moderadamente bem em seu projeto inicial, sabendo realçar temas instigantes e abordando momentos dramáticos com sensibilidade, porém, este é um trabalho inconsistente também, se transformando numa versão menos impactante e envolvente de “Coração Valente”.

E acredite a comparação com o longa de Mel Gibson não é exagero quando vemos a similaridades nos aspectos de produção, já que Nate Parker escreve, dirigi e estrela este novo longa. Contando a história de Nat Turner, um indivíduo religioso que, após testemunhar e sofrer inúmeras crueldades por parte dos senhores de escravos, coordenou uma insurreição sangrenta em meados de 1831. Contudo, não pense o leitor que este se trata de um filme de grandes batalhas (embora haja algumas), quando na verdade este é o drama de desenvolvimento de personagem que passa de um homem simples a mártir, sendo já o primeiro grande erro do filme ao apontar em seu prólogo um caráter mítico quanto ao destino do protagonista, o que não só danifica o arco deste, como ainda é usado de forma completamente relapsa, sendo um elemento que só é retomado ao final do filme.
Ainda assim, é interessante observar o ódio crescente por parte do protagonista, assim como a emblemática utilização da “palavra divina” no contexto da época, já que Turner é uma espécie de pregador de escravos oficial na região (podendo recitar da bíblia somente alguns versos escolhidos pelos escravocratas) e este utiliza de sua oratória e sua própria fé para mobilizar o grupo escravizado. O que engrandece tremendamente o personagem é a atuação intensa de Nate Parker, que consegue construir seu protagonista com um ar de incredulidade frente a realidade que aos poucos é suplantado pela frieza, que por sua vez só se desenvolve após Turner passar por um turbilhão emocional que aflora somente no olhar marejado ou mesmo em um crescente tom de voz.
Porém, se as nuances de interpretação engrandecem o protagonista, a abordagem do roteiro e da direção acaba por reduzi-la (e é mesmo irônico que as três tarefas sejam de um mesmo indivíduo), pois o filme parece se preocupar muito mais em construir uma entidade grandiosa, do que realçar a humanidade em uma figura importante. Nesse aspecto, embora esteticamente Parker componha algumas imagens belas e de significados interessantes (como as duas velas que queimam com a mesma chama durante a noite de núpcias do casal principal, ou a sequencia na qual vemos as mãos pequenas de um garotinho se encharcarem de sangue e algodão), o diretor toma decisões que acabam por soar covardes. Isto fica notável na sequencia de assassinatos operada pelos escravizados, com o cineasta preferindo por cortar antes de que vejamos qualquer golpe ser desferido, o que em comparação com as cenas de tortura, ou mesmo no momento no qual vemos uma cabeça decapitada e outra destruída por um tiro, acaba por criar um clima de inconsistência, como se Parker temesse o julgamento do espectador – O que não condiz com os atos de Turner, pois por mais brutais que estes parecessem, ao menos estariam “justificados” pela psique do personagem que foi construída ao longo do filme.
Outro elemento que funciona moderadamente na direção de Parker são as sequencias alegóricas na qual o realizador decide se arriscar mais. Embora algumas cenas encaixem perfeitamente na narrativa (como as de caráter onírico que apresentam o crescimento de Parker de criança fragilizada à adulto que se levanta contra seus inimigos), outras soam desajeitadas em seu caráter espiritual – o que é uma pena, já que tal aspecto é muito melhor trabalhado quando o diretor resolve ser mais discreto, como quando há um foco de luz entre as folhagens das árvores ou mesmo entrando pela janela que envolvem o protagonista, remetendo (aí sim) a um caráter divino de forma certeira. Isto ainda é realçado pela cinematografia de Elliot Davis que constrói contrastes maravilhosos entre a luz da lua na pele escura dos protagonistas e a luz de velas, já que o Davis trabalha numa paleta que realça cores básicas em seu filtro que tende para o azul.
Construído de uma maneira por vezes prolixa em sua edição, o longa ainda realiza um desserviço para com as mulheres negras que “protagonizam” sua história, já que a participação destas se resume em acontecimentos que serão utilizados para desenvolver e mobilizar somente os homens da produção, sendo um verdadeiro milagre a composição mais complexificada de Aunjanue Ellis em sua Nancy, já que a atriz possui pouquíssimo material pra trabalhar. Ainda, o filme tropeça ao criar muito mais caracterizações para os personagens secundários do que qualquer personalidade, o que acaba chamando a atenção para o personagem Samuel Turner, de Armie Hammer por dois motivos: o primeiro é pela forma inconsistente com a qual o roteiro joga suas motivações, já que seu desejo de engrandecer sua fazenda novamente é atirado no meio do filme sem qualquer construção; o segundo motivo é a atuação perfeita de Hammer que consegue transitar do carismático ao repugnante, tudo isso com um tom até mesmo trágico por parte do personagem que é jovem, solitário e alcoólatra.
Procurando resignificar o título de um dos filmes mais importante e mais repugnantes da história do cinema, “O Nascimento de uma Nação” consegue fazer isso muito mais em sua temática e proposta inicial, do que em qualquer outro nível de abordagem cinematográfica. Talvez o maior exemplo disso seja a decisão de Parker em concentrar a figura do vilão em um personagem em si (Raymond Cobb de Jackie Earle Haley), quando claramente a temática do filme por si só já bastaria para impulsionar de maneira plausível o protagonista e gerar o engajamento do público. Ao optar por tal abordagem (retirada de maneira errônea do primeiro ato de “Coração Valente” – sim, ele de novo) o longa se auto-sabota novamente, mostrando que excelentes temas merecem uma abordagem menos irregular. Embora este de forma alguma seja um filme ruim, Nat Turner e toda a mobilização da causa mereciam um filme melhor.





Bom
Por Han Solo

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