quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Crítica: "Animais Noturnos"

Animais Noturnos
(Nocturnal Animals)
Data de Estreia no Brasil: 29/12/2016
Direção: Tom Ford
Distribuição: Focus Features

           Chegando no Brasil dois dias antes do fim de 2016, "Animais Noturnos" é para mim um resumo de todos os elementos de excelência cinematográfica que apareceram de maneira tão tímida e escassa ao longo de todo o ano. Independente de gostar ou não deste filme, é inegável que ele proporciona uma experiência profundamente marcante. O novato diretor Tom Ford (seu único outro crédito é "Direito de Amar" (2009)) foi duplamente nomeado ao Globo de Ouro de 2017 (diretor e roteirista), de forma merecida, por "Animais Noturnos". Estrelando Amy Adams e Jake Gyllenhaal, o filme é estruturado de forma a utilizar a metalinguagem para contar sua história: acompanhamos ao mesmo tempo a personagem de Amy Adams (Susan Morrow) e a história que ela lê no livro que seu ex-marido Edward lhe enviou, intitulado "Animais Noturnos".

           No parágrafo anterior, afirmei que Tom Ford mereceu sua indicação a categoria de melhor roteiro, e o fiz pois considero seu trabalho neste filme extremamente engenhoso. Não é algo imprecedente contar duas histórias paralelas em um mesmo filme, nem mesmo utilizando-se da metalinguagem de um personagem interagindo com tal história paralela. O diferencial deste "Animais Noturnos" é a maestria com que executa a tarefa de criar e conduzir duas linhas narrativas, que gradativamente se entrelaçam e acabam por criar uma terceira linha temporal, abordando o passado de Susan e seu ex-marido Edward. Lidar com narrativas paralelas é um processo cinematográfico extremamente difícil e que pode acabar por resultar em um filme problemático e com ritmo entrecortado (como atesta o potencial desperdiçado que é "Julieta").
           "Animais Noturnos" não só consegue superar este risco como o usa em seu proveito para gradualmente revelar ao público todas as camadas e a complexidade de seu inteligente roteiro. O primeiro ato do filme é extremamente eficaz em construir a personalidade e a infelicidade de Susan, uma renomada e milionária artista que enfrenta o clássico dilema narrativo de aparentemente ter tudo o que deseja ao mesmo tempo que se sente vazia. Esta primeira porção do filme não é seu melhor momento e pode ser considerada lenta demais por alguns, mas acredito que seus diálogos e principalmente a atuação magistral de Adams sejam suficientes para estabelecer elementos muito necessários ao desenvolvimento posterior da história e despertar a curiosidade sobre o que virá a seguir.
            O segundo ato é onde a genialidade do filme começa a se manifestar. Susan passa a ler o livro que seu ex-marido lhe dedicou e passamos então a acompanhar Gyllenhaal interpretando o personagem fictício Tony, que tem sua vida virada do avesso após ser parado por três jovens texanos numa estrada no meio da noite, enquanto dirigia seu carro com sua esposa e sua filha. Esta cena inicial é extremamente poderosa e constrói uma atmosfera de suspense que perdura até o fim do filme, contaminando (no bom sentido) as demais linhas temporais. Mesmo sabendo que se trata de um livro, sentimo-nos desesperados por acompanhar mais da história de Tony, o que nos leva constantemente a refletir sobre o poder da arte e cria em nossa mente um sentimento de forte desconforto, pois ao mesmo tempo que sabemos que tudo é uma ficção o envolvimento com os personagens mostrados em tela não diminui.
           Voltando-me agora a aspectos mais técnicos, a edição de "Animais Noturnos" talvez seja o maior destaque do filme. Além de ser crucial em seu papel de entrelaçar as narrativas paralelas, a montagem ainda é responsável por magníficas cenas de sobreposição e transições rápidas, que reforçam ainda mais o sentimento de causa e efeito gerado pela narração paralela. Um elemento não tão sutil, mas muito efetivo, é a escolha de uma paleta composta por cores quentes para a história de Tony e cores frias para Susan, ressaltando um contraste entre as duas, ao mesmo tempo que denota a forte presença de emoção em uma e a ausência dela na outra. A direção de Tom Ford é também muito competente, utilizando-se da mistura perfeita entre planos abertos e fechados, conseguindo ressaltar com eficácia os cenários e a expressão dos atores. Aliás, acredito que o maior mérito de Tom Ford como diretor esteja na forma como orienta seu elenco.
             "Animais Noturnos" conta com um elenco composto de excelentes atores em sua melhor forma. Os créditos inicias do filme estão recheados de grandes atores, me levando a questionar como Ford conseguiu reunir todos estes nomes de destaque na indústria e como todos eles se encaixariam na história. A dupla de protagonistas está praticamente impecável. Adams que já havia dado uma interpretação irretocável em "A Chegada" é imprescindível a "Animais Noturnos", interpretando Susan com uma tremenda sutileza e ao mesmo tempo nos transmitindo inúmeras informações sobre a personagem. Pouquíssimas atrizes trabalhando em Hollywood atualmente conseguiriam elaborar algo tão repleto de nuances. Gyllenhaal é também excelente (apesar de achar que ele já esteve melhor em "O Abutre"), encarando a difícil tarefa de interpretar dois personagens completamente diferentes que ao mesmo tempo tem tanto em comum. 
        O elenco de coadjuvantes é um show a parte. Aaron Taylor-Johnson recupera o status de ator promissor que havia parcialmente perdido em "Godzilla" (2014), compondo o cativante e assustador Ray. Outro que está ótimo é o subestimado Michael Shannon, que já havia entregado grande performance em "Midnight Special" e aqui confere grande complexidade a um personagem que não possui muito tempo de tela ou desenvolvimento por parte do roteiro, uma façanha considerável. O filme conta ainda com as participações de outros atores e atrizes muito competentes, como por exemplo Isla Fisher, Armie Hammer, Laura Linney, Michael Sheen e Jena Malone, algo que só atesta para a qualidade do roteiro e o esmero investido em sua produção. 
           O único defeito que consigo pensar com relação a "Animais Noturnos" está em duas cenas: justamente o início e o final do filme. Não consigo comentar muito sobre a cena inicial pois ainda preciso digeri-la. Quanto ao final, entendo a intenção dos realizadores, mas acredito que ela não se encaixa muito com o restante do filme e havia um momento 2 minutos antes que seria perfeito para o encerramento do filme. Sou um grande admirador de finais anti-climáticos, mas eles precisam ser planejados de forma cirúrgica para funcionarem.
          Já me alonguei e citei filmes demais nesta crítica, o que atesta o quanto me senti intrigado por este filme de Tom Ford. Qualquer uma das três narrativas que "Animais Noturnos" se dispõe a contar teria total capacidade de constituir-se como um ótimo filme. Quando colocadas juntas em um só filme estas três histórias convergem para a criação daquele que é seguramente um dos melhores e mais originais filmes de 2016, um intrigante drama e um envolvente suspense que se utiliza de metalinguagem e elementos metafóricos para se imbricar na mente da pessoa que o assistir. Ter assistido a este maravilhoso filme me faz refletir que precisamos de mais "Animais Noturnos" e menos "Animais Fantásticos".


Excelente

Por Obi-Wan

Um comentário:

  1. Muito boa crítica, obrigado, esse é um filme top. Adoro muito o trabalho de Amy Adams, ela é grande atriz. Eu quería assistir A chegada por ela, esta impecável no filme. Ela sempre surpreende com os seus papeis, pois se mete de cabeça nas suas atuações e contagia profundamente a todos com as suas emoções. Seguramente o êxito deste filme deve-se a participação dela no filme. Além, acho que a sua participação neste filme de ficção cientifica, realmente ajudou ao desenvolvimento da história.

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