quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Crítica: "Preacher" (1ª Temporada)

Preacher
Data de Exibição: 22/05/ a 31/07 de 2016
Canal: AMC
Produção: Sam Catlin, Garth Ennis, Evan Goldberg, Seth Rogen


          Lançada entre os anos de 1996 e 2000 sob o selo Vertigo da DC Comics (criado para HQs com temáticas mais pesadas e "adultas") "Preacher" é uma das mais controversas histórias em quadrinhos norte-americanas. Criada pelo roteirista Garth Ennis e o desenhista Steve Dillon, a HQ chamou muita atenção desde o fim dos anos 90 por conta de seu estilo excêntrico, recheado de temáticas criativas e bizarras, indo desde a existência de um vampiro irlandês até anjos e demônios. A salada de referências e mitologias que é Preacher rendeu um produto único, que desde os anos 2000 foi objeto de fracassadas tentativas de adaptações para o cinema. Um filme planejado no fim dos anos 1990 e uma série de TV da HBO encomendada em meados dos anos 2000 foram ambos cancelados pelo mesmo motivo: os elementos polêmicos que conferem a Preacher sua originalidade (notadamente os que envolvem a fé católica) são os mesmos que a tornam extremamente controversa, e portanto um investimento arriscado do ponto de vista empresarial.
         Finalmente, Ennis, roteirista da HQ sempre envolvido nas tentativas de adaptação, conseguiu encontrar na AMC um lugar para o desenvolvimento de seu projeto. "Preacher" contou também com a força dos nomes de Seth Rogen e Evan Goldberg (responsáveis pelo roteiro de "Superbad" (2007) e "Segurando as Pontas" (2008), por exemplo) no time criativo para receber uma chance. A já maluca estrutura de "Preacher" recebeu assim a adição da dupla familiarizada com estruturas de comédias, que além disso são fãs da HQ desde que foi lançada e por isso certamente estão familiarizados com o material base. Essa mistura de criador original com fãs antigos, que tem experiência com comédias, faz de "Preacher" uma das coisas mais esquizofrênicas a adentrar o território das séries de TV. Facilmente.
            "Preacher" acompanha Jesse Custer, um padre de uma pequena cidade dos Texas que em um dia de pregação "recebe" o espírito de Genesis, uma criatura gerada, como a série posteriormente explica, do amor entre um agente do Céu e um do Inferno. Genesis dá a Jesse o poder de obrigar qualquer pessoa a seguir seu comando a partir da voz. Neste momento da narrativa, a HQ assume logo a estrutura de uma história que se desenvolve na estrada. Os criadores da adaptação para a televisão, entretanto, fazem a opção acertada de explorar elementos da cidade em que Jesse vive durante a primeira temporada, criando uma série de interessantíssimos personagens coadjuvantes e situações independentes do material base que servem para dar mais robustez à série e torná-la algo mais original.
           "Preacher" consegue uma interessante mistura de elementos intrínsecos da pequena cidade do Texas, como o policial acomodado e a bizarra história de Eugene (na HQ chamado de "Cara de Cu") com outros exteriores, como por exemplo o carismático vampiro Cassidy e os dois "anjos da guarda" de Genesis. Há ainda a personagem da excelente Ruth Negga, Tulip, alguém que obviamente possui um passado com Jesse, algo que aos poucos vai sendo abordado pela série. O grande trunfo e acerto de "Preacher" é saber incorporar de forma integral o espírito sarcástico e cômico da HQ, ao mesmo tempo evitando esgotar a trama e os personagens principais, criando várias situações diferentes que raramente parecem fillers, mas desdobramentos e complementos da linha narrativa de Jesse, que sustentam melhor a longa duração de uma série de TV.
              Além dos roteiros dos episódios serem todos muito bem escritos, com excelentes diálogos que muito fazem pela construção dos personagens, "Preacher" conta com atuações muito competentes de quase todos os membros de seu elenco. Dominic Cooper encarna com perfeição a persona do padre criminoso Jesse Custer, sabendo lidar muito bem com seus conflitos internos. Mas quem realmente se destaca no sentido da atuação são mesmo Joseph Gilgun e Ruth Negga. O primeiro é de longe o mais carismático de toda a série, com seu incrível sotaque irlandês e estilo punk e niilista que se encaixam perfeitamente com o conceito de vampiro que a série utiliza. Já Ruth Negga é capaz de contornar os momentos em que o roteiro maltrata sua personagem, dando uma performance extremamente enérgica e empática, mesmo quando é obrigada a cumprir o papel de correr atrás de Jesse com crises de ciúmes exageradas e sem sentido.
         Deve-se dar destaque também ao incrível visual de "Preacher", com legendas exageradas e um design de produção que se encaixam perfeitamente com a proposta da série. Gosto particularmente das cenas envolvendo o misterioso personagem de um cowboy, que vai aos poucos ganhando mais e mais sequências, todas com uma marcada paleta de cores que a diferenciam de forma muito competente do restante da série, explicitando seu não pertencimento à linha temporal principal sem a necessidade de explicar isso de maneira explícita. A série faz também um uso muito inteligente de flashbacks, que não parecem se "intrometer" e atrapalhar a história principal, mas auxiliam na construção dos personagens, principalmente na relação de Jesse com seu pai. Porém, o melhor flashback  disparado é o de Odin Quincannon, desenvolvendo muito bem sua personalidade de mafioso surtado.
            A primeira temporada de "Preacher" não é perfeita, mas chega muito perto. Em alguns momentos a insistência dos personagens em permanecer em sua pequena cidade natal parece um pouco forçada por sua conveniência ao timing da temporada. Além disso, a relação de Jesse e Tulip dá alguns tropeços graves, fazendo com que seja fácil perder um pouco do interesse neste elemento no meio da temporada. Entretanto, para cada momento "mais ou menos", "Preacher" fornece dois que são absolutamente incríveis, com pelo menos um genuíno momento "WTF!?" por episódio. Destaco principalmente uma luta envolvendo uma motosserra que acontece no terceiro episódio e me convenceu instantaneamente a ver a temporada até o fim, independentemente do que acontecesse nos episódios seguintes. Portanto essa é a minha sugestão: assista pelo menos ao primeiro episódio da série e se deixe convencer pelo estilo maluco de "Preacher".



Excelente

Por Obi-Wan

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