quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Crítica: "Ben-Hur"

Ben-Hur
Data de Estreia no Brasil: 18/08/2016
Distribuição: Paramount Pictures
Direção: Timur Bekmambetov


         "Ben-Hur" (1959) é fruto de uma época e de um estilo de fazer filmes muito característico da história do cinema hollywoodiano. Assim como o famoso épico bíblico de Cecil B. DeMille, "Os 10 Mandamentos" (1956), "Ben-Hur" é um dos maiores clássicos da história do cinema. Mas é também um filme extremamente datado. Com temáticas absurdamente apologéticas e enaltecedoras da religião cristã, o filme dirigido por William Wyler (que já era um remake de um filme mudo de 1925) recebeu o justíssimo subtítulo de A tale of the Christ (um conto sobre o Cristo). Portanto, apesar de extremamente bem feito para sua época (com o maior orçamento e os maiores sets construídos até sua data de lançamento), "Ben-Hur" (1959) é extremamente datado em suas temáticas, tornando um remake algo muito bem-vindo. Ele veio em 2016, o que é ao mesmo tempo bom e ruim.

          Além da já citada temática, "Ben-Hur" (1959) tem um certo tipo de filmagem e produção muito clássico, um estilo visual épico que não é mais utilizado hoje em dia. Com uma câmera muito estática e distante dos personagens, a clara intenção do filme é transmitir um ar de sacralidade e atemporalidade em relação a história que retrata. Portanto, é um grande alívio perceber que o "Ben-Hur" do diretor russo Timur Bekmambetov (conhecido nos EUA por "O Procurado" (2008)) não tenta de forma alguma emular o estilo do filme sobre o qual se baseia. Em muitos sentidos os filmes de 2016 e de 1959 chegam a ser inclusive opostos, com a película mais recente apontando em uma câmera cheia de movimentação e planos muito fechados que privilegiam uma proximidade com as expressões e emoções dos personagens.
           O principal acerto do remake é sem dúvidas a complexificação que consegue conferir aos personagens e situações que retrata. Enquanto no filme de 59 imperam a dicotomia cristã simplista entre bem e mal em relação aos personagens e as posições políticas estáticas de opressores e dominados no que diz respeito a romanos e judeus, o novo "Ben-Hur" consegue trabalhar de maneira muito mais competente as diversas transições e tensões entre essas duas linhas, incluindo discussões políticas extremamente pertinentes e historicamente muito mais precisas. A existência do grupo rebelde dos zelotes gera uma série de questões que tornam muito mais palpáveis e compreensíveis as tensões entre os soldados romanos e o povo judeu, incluindo nisso a principal rivalidade que o filme explora, entre Judah Ben-Hur, um príncipe judeu, e seu irmão de criação romano, Messala.
              Algumas das atuações do filme são muito competentes no que se propõe a fazer, principalmente as do protagonista Jack Huston (excelente em "Boardwalk Empire") e Rodrigo Santoro, que consegue interpretar muito bem a figura pacífica de Jesus, que funciona bem até certo ponto do filme como um interessante elemento de perturbação política. A empatia que somos levados a sentir em relação aos personagens é um dos grandes responsáveis pelo sentimento de imersão que o filme consegue obter. O principal destes em minha visão é a fenomenal mixagem e edição de som do filme, que esbanjam competência em coisas muito simples que ninguém se preocupa em fazer, como por exemplo sons de fundo em uma conversa que se dá em uma sacada acima de um ponto movimentado da cidade, até cenas de ação que exigem uma enorme complexidade de sons e ruídos, algo que o filme faz muito bem.
               Até agora só elenquei pontos positivos sobre o filme, então você deve estar se perguntando qual é a parte ruim sobre a existência deste remake. O principal problema de "Ben-Hur" é sua bipolaridade. Se até agora citei o que o filme melhora em relação ao filme de 59, há também vários momentos em que piora. O diretor Timur Bekmambetov tem algumas ideias e soluções visuais extremamente interessantes, retratando muito bem cenas de batalha e utilizando elipses visuais muito criativas entre uma cena e outra. Porém, o estilo do diretor é absurdamente excessivo em muitos momentos, com uma câmera tremida demais em momentos desnecessários e planos fechados que são completamente inadequados em dados momentos. Um bom retrato dessa ambiguidade do filme são representadas por duas sequências de ação. A primeira envolve uma batalha marítima em uma galé em que Ben-Hur é um escravo obrigado a remar. Esta sequência é muito melhor neste filme de 2016, com uma câmera que passa o tempo inteiro dentro da galé acompanhando seu personagem principal, dando um ar extremamente realista para a sequência. No entanto, a famosa cena da corrida com bigas deste filme empalidece muito se comparada ao filme de 1959, algo inadmissível se levarmos em conta que este trata-se de um remake feito 57 anos depois, com técnicas de filmagem e efeitos especiais infinitamente superiores.
              Como outros pontos negativos vale a pena citar uma desnecessária narração que se dá no início do filme e é completamente esquecida, parecendo estar lá somente para seguir o clichê de incluir uma narração feita por Morgan Freeman. Há também algumas atuações e personagens ruins e destoantes do resto, como a esposa de Ben-Hur, Esther, que é um mero instrumento de roteiro sem personalidade alguma e um caricato capitão romano sedento por sangue que só serve para ajudar a mover a trama. "Ben-Hur" tem também uma das piores conversões para 3D que já tive o desprazer de ver, em um filme que claramente não foi nem um pouco planejado para o uso da tecnologia, me fazendo esquecer em diversos momentos que ela sequer existia no filme.
           No entanto, vale observar que nenhum desses defeitos chega perto do potencial destrutivo da última meia hora de filme, que consegue ser infinitamente inferior se comparado ao filme de William Wyler. Desde o terrível "Quarteto Fantástico" (2015) eu não via um terceiro ato tão desastroso quanto este. Não pretendo entrar em spoilers pra quem ainda não viu nenhum dos dois filmes, mas basta dizer que os últimos 30 minutos de "Ben-Hur" conseguem a incrível façanha de jogar fora tudo o que tinha sido feito de bom no que diz respeito a desenvolvimento de personagens, com cenas absurdamente patéticas que me fizeram ter saudades do final do "Ben-Hur" de 1959, do qual não gosto nem um pouco. No fim das contas, acabei por escrever uma crítica tão bipolar quanto o filme que retrata. Apesar de detestar o terceiro ato, não posso negar que há em "Ben-Hur" alguns aspectos que me agradaram bastante. Seria interessante poder fazer um mashup com os elementos que funcionam em cada uma das duas versões fílmicas da história, criando um final novo que consiga ser minimamente decente. Enquanto isso não se concretiza, acredito que valha mais a pena ficar mesmo com o filme de 1959. Para aqueles que não tem paciência para dedicar 3 horas e meia de sua vida a um filme, o remake de duas horas pode ser uma boa opção de entretenimento, desde que seja assistido em 2D e que o final seja ignorado.







Regular

Por Obi-Wan

Nenhum comentário:

Postar um comentário