domingo, 14 de fevereiro de 2016

Crítica: "Anomalisa"

Anomalisa
Drama/Animação
Data de Estreia no Brasil: 28/01/2016
Direção: Charlie Kaufman e Duke Jhonson
Distribuição: Paramount Pictures

Anomalia: sf  1. Irregularidade 2. Aberração

Não é difícil perceber que a carreira de Charlie Kaufman é uma anomalia dentro da industria cinematográfica (e digo isso no melhor sentido da palavra). Dono de uma filmografia exemplar e cheia de nuances existencialistas, Kaufman é o tipo de roteirista que não escreve filmes a toa, algo cada vez mais raro no meio. Seja pela metalinguagem dentro de “Adaptação” ou mesmo da bela melancolia de “O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, os filmes do agora também diretor (função que também desempenhava no brilhante “Sinédoque Nova York”) são obras de arte profundamente humanistas e delicadas em sua brutalidade ao estudar os maiores sentimentos da nossa espécie.

Assim, seu novo trabalho “Anomalisa” é tanto um típico filme Kaufmaniano como também sua própria anomalia dentro da filmografia do roteirista, por ser um Stop Motion diferente de tudo o que a industria produz (sendo a primeira animação de Kaufman), mas por carregar também todas as características já marcas registradas do diretor em seu enredo simples: Michael Stone (David Thewlis) vive em um mundo onde a apatia e aparente depressão o isolou dos prazeres mínimos da vida. Ao fazer uma viagem de negócios, Michael conhece Lisa (Jennifer Jason Leigh) uma garota dolorosamente insegura que parece ser a única voz diferente na vida de Michael.
E quando digo que esta é a única voz que se destaca na vida do protagonista, digo isso literalmente já que todos os personagens, incluindo mulheres e crianças, são dublados por Tom Noonan. Aliás, este é um dos muitos pontos de puro brilhantismo e simplicidade que o filme guarda para o espectador, já que ao colocar um único dublador para todos os demais personagens coadjuvantes o filme consegue realçar a apatia e desinteresse que assola Michael, fazendo com que o espectador possa se emocionar com o simples fato de ouvir uma voz diferenciada.
E que belo trabalho de voz que Leigh faz ao dar vida a sofrida Lisa. Dona de uma auto-estima quase inexistente e de uma simpatia que nos atinge de imediato, Lisa é uma personagem que quando surge em cena nos faz acreditar que estará ali para representar uma mudança concreta na vida de Michal (e o trabalho dos dubladores é perfeito para que nos façam torcer por tal mudança). Contudo, a “Anoma Lisa” não é meramente uma personagem de apoio, possuindo seu próprio arco dramático que fecha perfeitamente a narrativa, além de protagonizar um dos momentos mais belos que pude assistir numa cena na qual a personagem canta uma determinada música pop.
Mas por mais que a narrativa sofra uma guinada considerável com a entrada de Lisa, são mesmo as dores e angustias de Michael que representam o centro de debate máximo e maravilhoso dentro do filme. Fumante compulsivo e isolado emocionalmente do resto do mundo, o protagonista é um homem de meia idade que se vê frustrado com o a vida mesmo sendo um sucesso naquilo que faz. O filme faz um trabalho impecável na construção emocional do personagem fazendo com que nos importemos com este mesmo que (e aqui entra a minha subjetividade na interpretação do protagonista) Michael Stone seja o culpado pela própria transformação nas pessoas que o cercam, algo que casa perfeitamente com seu sobrenome de “rocha” ou “pedra”, não por sua postura rígida, mas por estar sempre parado no mesmo lugar, preso numa mesma posição.
Assim, o nome do hotel que este se hospeda, “Fregoli”, faz alusão a um mal psicológico que pode dar novos contornos a personalidade de Michael – e pretendo não revelar tal significado desse mal psicológico para que não interfira na experiência de ninguém. Mas o filme não reserva só ótimas metáforas temáticas, como também visuais: a fotografia que se altera para cores mais quentes a partir da chegada de Lisa, bem como o contraste entre os sentimentos puramente humanos e as linhas visíveis das peças que dão expressão aos bonecos da animação em stop motion, além dos corpos dos personagens não surgirem como "perfeitos"/artificiais (possuindo cicatrizes e "barriguinhas"), são elementos simples que contribuem imensamente para os simbolismos do filme.
Dirigido com brilhantismo por Kaufman e Duke Jhonson (que também havia dirigido o episódio em stop motion da série Community), “Anomalisa” é certamente uma das obras mais inspiradas e belas que o cinema pode proporcionar mesmo que com seus curtos 90 minutos, o filme consegue ainda nos dar uma das cenas de sexo mais realistas que o cinema já produziu e estamos falando de uma animação (certamente não voltada para o público infantil). “Anomalisa” é intenso e belo com um nível de qualidade anômalo para o cinema moderno, mas perfeito na filmografia do gênio Charlie Kaufman.







EXCELENTE
POR HAN SOLO

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