quinta-feira, 7 de julho de 2016

Crítica: "Porta dos Fundos - Contrato Vitalício"

Porta dos Fundos - Contrato Vitalício
Comédia
Data de Estreia no Brasil: 30/06/2016
Direção: Ian SBF
Distribuidora: Paris Filmes

Em certa medida, "Contrato Vitalício" demonstra que o grupo de humor Porta Dos Fundos sabe e tem potencial para fazer cinema, já que o longa se mostra uma obra coesa em sua estrutura e que sabe sim gerar o riso - ainda que se renda a piadas óbvias e escatológicas de vez em quando. Mas já que nesse filme eles mostraram um pouco do que sabem fazer, é hora de produzirem um filme melhor com tudo o que eles podem fazer. Pois se "contrato Vitalício" se mostra eficaz em alguns momentos, fica sempre a impressão de que este não é o máximo que o grupo famoso da internet pode entregar no quesito inventividade e originalidade. O filme é permeado pelo sentimento de que o "Porta" se esforçou tanto para mostrar que poderia construir uma obra longa (diferente de suas esquetes do youtube) que acabou se auto-sabotando ao se prender demais numa estrutura extremamente convencional.
A história em si possui um toque da inventividade característica do canal: o ator Rodrigo (Fábio Porchat) e o diretor Miguel (Gregório Duvivier) festejam após ganharem um prêmio no festival de Cannes por seu filme "Oxigênio", quando Rodrigo resolve assinar um contrato vitalício dizendo que trabalharia em todos os filmes de seu melhor amigo Miguel. Eis que ao voltarem para o banheiro do hotel, o diretor entra no banheiro e desaparece, voltando dez anos depois pronto para produzir o filme que conte o mistério de seu paradeiro, afirmando ter passado a ultima década lutando contra uma raça alienígena no centro da terra que pretende dominar o mundo, o que obriga Rodrigo (agora famoso, rico e frustrado com sua vida) a protagonizar seu filme catastrófico. 
Não é difícil assim perceber as nuances de elementos "fantásticos" dentro da narrativa que soam característicos de algumas esquetes do Porta dos Fundos, mas estes parecem sempre ficar no segundo plano já que uma narrativa mais convencional com começo, meio e fim é o real foco dos roteiristas (Porchat, Gabriel Esteves e Ian SBF). Tal intenção é louvável quanto o cinema de comédia de uma forma geral (que muitas vezes sofre em sua estruturação), mas é absolutamente questionável por tirar justamente a essência do grupo. Veja o próprio Monty Python, por exemplo, em seu "Em Busca do Cálice Sagrado": havia sim um fiapo de história que sugeria uma coerência narrativa ainda que superficial, mas ainda assim o grupo apostava em pequenos seguimentos que flertavam com o "no sense", críticas sociais e gags visuais... Em outras palavras, era um filme com o espirito do grupo de humor inglês.
Ainda assim, não se pode dizer que o humor não é explorado pelo roteiro a partir das situações típicas de uma estrutura de "primeiro, segundo e terceiro ato", já que o começo do filme consegue estabelecer bem a amizade entre Miguel e Rodrigo até o contraste desta relação com a volta do Miguel completamente maluco, explorar bem as situações da produção do filme dentro da própria projeção (e a referência à "Cinderela Baiana" é um toque de mestre), bem como a incredulidade de Rodrigo que parece ser o único a enxergar o quão ruim é a produção em que trabalham, cabendo uma resolução num terceiro ato que soa forçada e completamente convencional (pra não dizer previsível), sendo utilizada de forma expositiva pelo próprio protagonista, mas que ainda assim amarra as pontas do filme.
Com isso, é mesmo as próprias referências à famosas esquetes do grupo dentro do filme que ganham destaque por servirem como pontos fortes de humor e ainda não destoarem da proposta da projeção, servindo ainda como um engajador interessante para aqueles que são fãs do Porta e acompanham seus vídeos. Assim, por mais que esteja sempre preso a tipos, o elenco desempenha seu papel de maneira perfeita: o psicopata detetive Otacílio (Antonio Tabet), a sádica preparadora de elenco Denise (Julia Rabello), o empresário Ulisses (Luis Lobianco) e seu vício no celular, todos estes (para citar alguns) desempenham bons momentos de humor presos as esteriótipos que ressaltam uma pequena alfinetada ácida do longa quanto ao mundo das celebridades - algo ainda mais ressaltado pela personagem Fernanda (Thati Lopes) e sua profissão de "famosa da internet". No fim das contas, cabe mesmo a Rafael Portugal o papel de coadjuvante que rouba todas as suas cenas com seu Paulo, o ator torturado pelo método de preparação de elenco de Denise.
O que nos leva à Porchat e Duvivier que vivem com talento seus personagens. Enquanto o primeiro consegue estabelecer bem o arco do protagonista, criando ainda momentos nos quais se atira ao over action proposital ao final da projeção tirando qualquer dramalhão forçado das cenas, o segundo consegue a proeza de transformar seu personagem, que em essência é um chato, em uma figura multidimensional e compreensível (sem que com isso justifique suas atitudes, levando o espectador a compreender ainda mais o personagem de Fábio Porchat). É interessante perceber que quando o filme parecia retirar os momentos conflitivos da relação dos dois, este se revela na passividade aparente de Rodrigo em sua cena final que consegue fechar a história.
Dirigido de forma burocrata por Ian SBF, o longa aposta na linguagem já familiar do Porta dos Fundos, o que se mostra como algo curioso visto a intenção do roteiro em se distanciar da estrutura das esquetes e ainda assim estabelecer uma linguagem sem qualquer ambição e totalmente familiar ao público. É óbvio as boas intenções do filme em querer ser "um filme" completo e não somente uma esquete estendida, mas acaba nos deixando a impressão de que num próximo filme o Porta dos Fundos pode e deve fazer algo melhor e com mais essência do próprio humor que os consagrou. 






Bom
Por Han Solo

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