quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Crítica: "Ponte dos Espiões"

Ponte dos Espiões
(Brigde of Spies)
Drama/Thriller
Data de Estréia no Brasil: 22/10/2015
Direção: Steven Spielberg
Distribuição: Walt Disney Studios Motion Pictures


"Ponte dos Espiões" estreou no Brasil há alguns meses atrás e infelizmente não consegui assistir o filme no cinema. Portanto, quando consegui conferir a nova parceria de Steven Spielberg e Tom Hanks não o fiz pensando em escrever uma crítica. Porém, algo me convenceu. Este é um blog que discute, na medida do possível, a relação do cinema com a história. "Ponte dos Espiões" é um filme extremamente fértil para se explorar a construção que o cinema faz sobre o passado. Isto é de extrema importância, pois o cinema, sendo uma arte de massa, tem grande capacidade de influenciar a visão que o censo comum constitui sobre o passado que é reconstituído em tela. Portanto, considero que o elemento mais importante a se observar em "Ponte dos Espiões" é como o cinema norte-americano representa a Guerra Fria e os antigos inimigos "vermelhos".

A trama do filme se passa no momento auge do que conhecemos por Guerra Fria, o final dos anos 50 e 60, e se baseia na figura e ações de James Donovan, um advogado do Brooklyn contratado pelo governo para prestar assistência jurídica a um homem acusado de espionar os norte-americanos a mando da URSS. Como mostrado no trailer, esta é a primeira parte do filme, enquanto a segunda narra a ida de Donovan à Berlim Oriental para tentar negociar a troca de Abel por um piloto norte-americano que teve seu avião abatido enquanto espionava o território russo e foi preso e condenado. Esta é a história base e o roteiro a conta de maneira extremamente competente. Há uma boa fluidez entre as duas partes e o filme consegue manter-se sempre interessante, com um ritmo estável e bem construído.
As duas atuações principais são o maior destaque de "Ponte dos Espiões" e provavelmente o motivo pelo qual o filme será lembrado no Oscar. Hanks entrega uma performance muito competente a um personagem extremamente interessante. Donovan tem uma personalidade magnética e seus diálogos são muito bem escritos, fazendo com que você se sinta confortável e interessado em tê-lo como guia através do filme. Já Mark Rylance tem uma atuação excelente, certamente merecedora a uma indicação na categoria de melhor ator coadjuvante. O ator constrói um Rudolf Abel extremamente interessante, que domina as cenas em que aparece. Abel é complexo e enigmático, um sujeito calmo e contido, com palavras sempre muito bem escolhidas e cheias de significado, alguém memorável e o tipo de coadjuvante que você torce para que apareça mais no filme
Nestes aspectos supracitados, roteiro e elenco, além da edição, fotografia e figurinos, "Ponte dos Espiões" é praticamente impecável. O que me preocupa em relação ao filme é algo mais sutil. Nós não vivemos mais nos 50 e 60. Os filmes da época, que representavam os soviéticos como verdadeiros demônios vermelhos, homens sem coração que pretendiam escravizar os livres norte-americanos são risíveis para a maioria do público atual, convencendo a poucos (ou assim eu espero). Porém, mesmo em 2015, os norte-americanos ainda não estão prontos, se é que um dia estarão, para abandonar o sentimento de superioridade que nutriram durante boa parte do século XX. Em boa parte de sua duração, "Ponte dos Espiões" apresenta personagens muito humanizados, tanto de um lado quanto de outro, sendo que Abel e Donovan são pintados como dois homens honrosos, independente de sua origem.
Há algo de muito surpreendente nos diálogos do próprio Donovan, que na defesa de Abel aponta que se há alguém como Abel em território norte-americano, há também espiões americanos na União Soviética e que estamos falando de um conflito de interesses entre dois países, não de um lado certo lutando contra um errado. Nesse sentido, Donovan se mantém como uma figura praticamente imaculada. O problema surge quando a trama do filme move os personagens para Berlim Oriental e Powers, o soldado americano, é mostrado preso em território russo. Enquanto Abel recebe um tratamento digno da Justiça americana, Powers é aparentemente condenado sem julgamento, tendo sua sentença simplesmente informada a ele em inglês. Outra cena destas que visa demarcar contraste é a maneira brutal com que os soviéticos arrancam Powers de sua cela e fazem-lhe perguntas, enquanto Abel recebe um tratamento mais humano da CIA.
Porém, o que mais me incomoda e preocupa em "Ponte dos Espiões" é o que apela para um lado mais sub-consciente da percepção de quem assiste ao filme: a trilha sonora. Enquanto os norte-americanos são mostrados pelas câmeras, a trilha é de uma natureza mais suave, aquele tipo de música que naturalmente relacionamos ao lado "do bem", da liberdade. Já os soviéticos e alemães do lado oriental, recebem aquele tipo de som pesado, algo altamente semelhante à marcha Imperial e à Darth Vader. Além disso, a direção de Spielberg tende a glorificar as instituições norte-americanas, enquanto destaca o autoritarismo dos soviéticos. Além disso, o diretor pesa demais a mão no seu já conhecido melodrama, prejudicando muito o tom do filme ao carregar de emoção cenas que não exigiam e seriam melhor representadas sem esse tipo de tratamento.
"Ponte dos Espiões" é um ótimo filme, com um excelente roteiro e personagens muito bem escritos, com visões muito justas sobre a Guerra Fria expressas nas figuras de Abel e Donovan. Porém, o filme é perigoso pois joga sujo, apelando para a percepção sub-consciente para transmitir a velha mensagem de que neste conflito os norte-americanos defenderam a liberdade ante os soviéticos que queriam impor seu autoritarismo. Nas mãos de outro diretor, o roteiro escrito por Matt Charman e Joel e Ethan Coen poderia se transformar em um filme tão excelente e transcendente como "O Espião que Sabia Demais". Nas mãos de Spielberg, é mais um ótimo blockbuster de 2015, mas que bate nas mesmas teclas de uma visão limitada e ultrapassada.

Ótimo

Por Obi-Wan

Um comentário:

  1. Aproveite este filme muito! Ponte dos Espiões marca o retorno de Steven Spielberg à boa forma e ao modo mais gostoso de se fazer cinema: com criatividade e amor pela arte. Como sempre, Hanks traz sutilezas em sua atuação. O personagem nos cativa, provoca empatia imediata graças a naturalidade do talento do ator para trazer Donovan à vida. Mark Rylance (do óptimo Novo Filme Dunkirk ) faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá- lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo. Ponte dos Espiões levanta uma questão muito importante: a necessidade de se fazer a coisa certa, mesmo sabendo que isso vai contra interesses políticos ou de algum grupo dominante. A história aqui contada é baseada em fatos reais, mas remete também ao caso recente do ex-administrador de sistemas da CIA que denunciou o esquema de espionagem do governo americano em 2013 e foi tratado como um traidor, mesmo que tenha tido a atitude correta. É uma crítica clara à hipocrisia norte-americana, que trabalha sempre com dois pesos e duas medidas em se tratando de assuntos como esse.

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